“Mendel dos Livros”, de Stefan Zweig: celebrar a originalidade dos indivíduos

por José Moreira,    30 Janeiro, 2023
“Mendel dos Livros”, de Stefan Zweig: celebrar a originalidade dos indivíduos
Capa de “Mendel dos Livros”, de Stefan Zweig (ed. Assírio & Alvim)
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O escritor Stefan Zweig (1881-1942) foi um dos mais famosos da sua época e não só, não é de estranhar que seja conhecido de alguns, ou muitos, de vós. Este célebre autor travou amizade com diversos contemporâneos notáveis, tais como Rainer Maria Rilke, Rimbaud, Sigmund Freud ou Thomas Mann. Zweig tem uma ligação próxima com o nosso país, em 1937, o escritor austríaco publica uma extensa biografia do Navegador Fernão de Magalhães intitulada “Magalhães – O Homem e o Seu Feito”, obra que o trouxe a Portugal para aprofundar as suas pesquisas. A novela “Mendel dos Livros” foi escrita por Zweig em 1929, publicada pela primeira vez no diário vienense Neue Freie Presse em formato folhetim.

Esta história parte do encontro do narrador com Jakob Mendel, um alfarrabista de prodigiosas capacidades, no Café Gluck em Viena. Dono de uma natural falta de jeito para os costumes sociais, Mendel é capaz de proezas bibliófilas inimagináveis, com uma memória sistematizada e fotográfica que praticamente o define como um tipo de autista altamente funcional, numa época em que já existiam alguns estudos (o conceito foi cunhado pelo psiquiatra alemão Eugen Bleuler em 1911). O narrador observa que Mendel habita um universo próprio, com regras só suas.

“Só então, com a idade, compreendi quanto é que desaparece com semelhantes seres humanos, primeiro porque tudo o que é único se torna, de dia para dia, mais valioso no nosso mundo que se vai tornando irremediavelmente uniforme.”

“Mendel dos Livros”, de Stefan Zweig

Durante mais de trinta anos, Jakob Mendel passa os seus dias no seu lugar cativo no Café, sentado numa mesa de mármore rodeado de livros onde recebe pessoas dos mais variados sítios e estratos. Pessoas que o buscam na esperança de encontrar os livros que tanto desejam, de edições comuns às mais rebuscadas raridades. Com um acesso espontâneo aos recantos da sua memória, Mendel enunciava edições com absurdo detalhe, indo aos ínfimos pormenores de acabamento que distinguem as diferentes edições.

Muitos anos depois, as reviravoltas do destino de Mendel são finalmente descobertas pelo narrador num regresso tardio ao Café Gluck, ao encontrar vazia a velha e pesada mesa de mármore. Confronta-se depois com uma realidade em relação ao alfarrabista que diverge da que lhe atribuiu na sua memória. Ou seja, o narrador finalmente reconhece Jakob Mendel enquanto pessoa/ser, para além da imagem que dele idealizou de proporção quase fantástica.

É uma narrativa original que, por sua vez, celebra a originalidade dos indivíduos que quebram as convenções e normas sociais com as suas idiossincrasias. Relembra-nos, também, como devemos apreciar a raridade das personagens com as quais nos cruzamos no nosso percurso de vida e que o enriquecem, mesmo que essa influência não seja reconhecida no imediato.

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