MEO Kalorama (dia 1): amor e ternura misturados com explosões sonoras

por Bernardo Crastes,    1 Setembro, 2023
MEO Kalorama (dia 1): amor e ternura misturados com explosões sonoras
Yeah Yeah Yeahs – Meo Kalorama – Fotografia de Linda Formiga/CCA
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Depois de uma primeira edição bem sucedida, mas não sem os seus problemas, o MEO Kalorama regressou ao Parque da Bela Vista neste dia 31 de Agosto para o derradeiro teste da sua permanência na paisagem de festivais em Portugal: a segunda edição. Já tendo tido oportunidade para testar o seu conceito, este é o ano de aprender com os erros, ajustar e manter aquilo que foi bom.

Este ano, a disposição dos palcos (um dos pontos de maior crítica no ano passado) foi alterada, ao mesmo tempo que os horários foram repensados para evitar confrontos como o que aconteceu no ano passado entre Kraftwerk e o set de Tiga e 2manydjs. Enquanto que o novo palco Samsung se revelou uma óptima surpresa na antiga zona de restauração, a mudança do palco San Miguel para o topo de uma colina ainda não nos convenceu, ainda para mais quando os problemas de som parecem continuar à semelhança do ano passado. Houve menos filas e tempos de espera menores, mas ainda conseguimos notar alguma desorganização. Pelo menos a fluidez dentro do recinto está mais bem trabalhada, permitindo-nos saltar de palco em palco para assistir ao belo alinhamento que o primeiro dia nos proporcionou.

Chegamos ao recinto ao som de José González, que já se encontrava no reposicionado palco San Miguel a revisitar o seu incontornável álbum, Veneer, 20 anos após a sua edição. Apesar de González nos estar a cantar a serpenteante “Stay in the Shade”, acabamos por não seguir o conselho e ficar debaixo do quente sol de Verão, no meio do silencioso público que muito respeitou o ritmo plácido do artista.

Blur – Meo Kalorama – Fotografia de Linda Formiga/CCA

Tendo em conta a hora antecipada deste concerto, incomum para festivais portugueses, notou-se que quem ali estava para ver o artista sueco fazia-o de corpo e alma. Por isso, foram recompensados com um concerto que, em certos momentos, parecia abrandar o tempo. A voz doce do artista e os anos de experiência trouxeram uma amenidade diferente às canções quando comparadas com as versões de estúdio, particularmente pela forma despretensiosa e alegre com que nos agradecia cada aplauso prolongado.

Para “Broken Arrows”, canção que fecha Veneer, o trompetista português Diogo Duque subiu ao palco a convite de González, terminando a canção com um bonito solo. Depois da obrigatória “Heartbeats”, cover dos The Knife que já se tornou sua também, seguiram-se mais algumas versões de outros músicos. “O álbum é demasiado curto”, brinca o artista. Por isso, fecha o concerto com “Love Will Tear Us Apart”, dos Joy Division, “Hand on Your Heart”, de Kylie Minogue, e a fabulosa “Teardrop”, de Massive Attack. Teria sido um concerto mais adequado a uma altura de pôr-do sol, mas o próximo também acabou por preencher esse papel adequadamente.

Falamos, claro, do concerto de M83. Mais um Gonzalez, desta vez de primeiro nome Anthony, fez-se acompanhar da sua banda para um concerto dinâmico e ocasionalmente caótico. Os elementos trocavam de instrumentos e mudavam de posição no palco frequentemente, numa dinâmica de jam band que se manteve ao longo de todo o concerto. Por mais que as canções fossem ensaiadas, pareciam quase sempre meio improvisadas. Sonicamente, evocavam uma viagem supersónica digna de um clímax de anime — particularmente as canções do mais recente Fantasy, como “Amnesia” ou “Water Deep”. Foi uma pena o som estar ligeiramente difuso, para podermos absorver cada detalhe sónico das complexas canções, mas pelo menos os sintetizadores (os elementos mais característicos) estavam impecáveis, e ainda bem!

O synthpop dos trabalhos mais recentes foi equilibrado com o post-rock dos clássicos de culto Dead Cities, Red Seas & Lost Ghosts e Before the Dawn Heals Us, explorando diferentes vertentes de um dream pop cinemático, evocando sonhos e um mundo semi-consciente. O público absorveu pacientemente todos os devaneios, mas claramente as reacções mais entusiastas fizeram-se sentir na nostálgica “Wait” e na épica “Midnight City”. Aliás, logo após esta última, houve uma debandada do público para o palco principal, ao som da canção final do concerto, “Mirror”.

Yeah Yeah Yeahs – Meo Kalorama – Fotografia de Linda Formiga/CCA

Confessamos que fomos das pessoas que fizeram essa peregrinação até ao palco MEO, em passo apressado pois os Yeah Yeah Yeahs estavam prestes a apresentar-se lá. Passaram 20 anos desde que os Yeah Yeah Yeahs pisaram palcos portugueses pela primeira vez. Encafuados entre os também nova-iorquinos Calla e os pseudo-grunge Good Charlotte, a banda de Karen O subiu ao palco em Paredes de Coura para uma performance avassaladora, com direito a um ananás esmagado em cima da cabeça e atirado para o público, esguichos de água, declarações chorosas de amor ao namorado de então na introdução do tema “Maps” e entrada directa para a lista de concertos míticos do festival minhoto. Fora a indumentária mais cuidada de Karen O, há muita coisa que não mudou muito na banda nova-iorquina. Karen O continua com um sorriso do tamanho do mundo, Nick Zinner continua a ser o génio sorumbático e Brian Chase o maestro. E continuam a tocar como se as suas vidas dependessem disso.

O concerto abriu com um dos seus novos estandartes, “Spitting Off the Edge of the World”. De ritmo lento mas seguro e um refrão do tamanho do mundo, lembra-nos uma “Gold Lion” mais dramática e abre o mote para um concerto que tem os pés no presente, mas não esquece o passado formativo da banda. Quase todos os seus singles tiveram direito a uma aparição, sejam as glammy e dançáveis “Zero” e “Heads Will Roll” (que já tem fama mundial), as emotivas “Maps” e “Cheated Hearts”, ou as distorcidas e explosivas “Pin” e “Date With the Night” (que fechou o concerto com chave de ouro), relembrando-nos da quantidade de grandes canções que os Yeah Yeah Yeahs têm. Karen O tem um carisma magnético e uma certa estranheza adorável que incita simpatia e conexão. É isso que nutre com o público, sorrindo expansivamente, passando uma mensagem de amor e ternura e saltando juntamente connosco. Para uma banda formada no auge do garage rock dos anos 2000 em Brooklyn, soaram electrizantemente vitais. Esperávamos um bom revival, mas acabámos por encontrar um dos melhores concertos do festival e do ano.

Metronomy – Meo Kalorama – Fotografia de Linda Formiga/CCA

De seguida, a Ivete Sangalo do indie, mais conhecidos por Metronomy, voltaram a Lisboa pela terceira vez em pouco mais de ano e meio. O seu concerto foi virtualmente igual ao dado no ano passado, no Super Bock Super Rock, até em termos de setlist. A banda continua sempre aprumadíssima, destilando uma espécie de indie de clube de campo, dançável e ocasionalmente funky. Pouco mais há a dizer, para além de que não nos cansamos de elogiar a soalheira “Right on Time”, que a banda toca com cada vez mais ginga a cada concerto, ou que as clássicas “Reservoir” e “The Look” arrancam sempre uns quantos pés do chão.

Apesar de tudo, assim que estávamos a tentar prever a próxima canção do alinhamento, eis que a banda se atira a “405”, a colaboração com Biig Piig nunca antes tocada em Portugal. No entanto, em contexto de festival, acabou por amornar demasiado os espíritos. Foi um alívio regressar à saltitona “Salted Caramel Ice Cream” e ao “rock ‘n’ roll” de “You Could Easily Have Me”, que fechou um concerto dedicado à Lua, que, cheia, agraciava o Parque da Bela Vista.

Amyl and the Sniffers – Meo Kalorama – Fotografia de Linda Formiga/CCA

Nem três meses depois do seu concerto no Primavera Sound Porto, os Blur voltaram a Portugal para o seu último concerto do Verão. Agora, já com o mais recente The Ballad of Darren cá fora, puderam substituir algumas canções com mais quilometragem por, quem sabe, futuros clássicos de concertos de Blur. É o caso de “Barbaric” ou de “The Narcissist”, esta última colocada com fé no cobiçado penúltimo lugar do alinhamento, em que os fãs já se encontram nos píncaros da emoção. Notou-se um afinco diferente nas novas canções, que naturalmente sairão menos oleadas sem essa concentração do que os devaneios ébrios de “Parklife” ou “Girls & Boys” (na qual Damon Albarn envergou a bandeira da comunidade trans nas costas, deixando uma simples mas eficaz mensagem política).

O alinhamento equilibrou quase todos os diferentes sons dos Blur, por entre o quase punk de “Popscene”, os tambores calorosos do início de “Trimm Trabb” e o puro Britpop de “Country House”. O público foi reagindo entusiasticamente, comprovando que continuam a existir muitos fãs de Blur em Portugal. “Estão a tornar isto tão agradável”, disse Albarn, que não se cansou de elogiar o público e… pasmem-se, o Museu da Marioneta de Lisboa. A meio do concerto, não sabemos se por frio, se por estar a entrar num segmento de Parklife, Damon Albarn veste um casaco desportivo e de repente, parece que estamos nos anos 90 de novo. Já no final, depois de um ataque de soluços de Albarn contornado com sucesso, chegam as açucaradas “Tender” e “The Universal”, prontas para deixar um bom sabor na boca dos milhares de pessoas que se deslocaram ao Parque da Bela Vista para ver estes britânicos que parecem cada vez mais revigoradas nesta nova fase de Blur. A mensagem que fica no final é, mais uma vez, a de amor e ternura, à semelhança do que Karen O já tinha apregoado.

Blur – Meo Kalorama – Fotografia de Linda Formiga/CCA

Logo a seguir, ainda tivemos oportunidade de apanhar o final do concerto de Shame, os jovens punks encabeçados pelo carismático Charlie Steen. Ao longo dos pouco mais de 10 minutos que conseguimos ver, houve moches, crowd surfs, incursões pelo público por parte do próprio Steen, distorção e muita vontade de electrizar o pouco público que se encontrava no oásis que é o palco Samsung. “Abracem a vossa vergonha!”, exortou Steen como forma de nos pedir para o acompanharmos ao som de “Gold Hole”. Foi um comprimido de punk que nos aqueceu para o último grande evento da noite.

Os Prodigy vieram, marcharam juntamente com os seus guerreiros, atiraram bombas de puro som e baixo, puseram toda a gente a saltar e foram embora, deixando no seu rasto milhares de pernas amassadas. A famosa “Omen”, logo à cabeça, foi auxiliada por uma invejável mistura de som que fazia cada batida acertar como uma paulada na cabeça. Não havia outra hipótese senão mexer-nos ao ritmo dos breakbeats nervosos, com pequenas pausas para respirar e reconfigurar-nos para o próximo ataque à nossa estrutura física.

“Firestarter” foi tocada numa versão truncada, completa com um espectáculo de lasers que homenageou Keith Flint, vocalista da banda até à sua morte em 2019. Sentia-se a emoção do seu outro vocalista e MC, Maxim, que por várias vezes nos garantiu: “nós não vamos a lado nenhum!” Parece que os Prodigy estão aqui para ficar, e bem. “Take Me to the Hospital” e “Invaders Must Die”, já no encore, foram provas de que a intensidade bem aplicada pode ser extremamente satisfatória. Foi um belo fecho para um belo dia de concertos.

O MEO Kalorama regressa já hoje para o dia do meio, com nomes como Florence + the Machine, Aphex Twin, EU.CLIDES, Belle & Sebastian, Capitão Fausto, Arca ou FKJ.

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