Mestrados conjuntos Erasmus Mundus ou a Europa dos estudantes
Quando, em dezembro de 2018, me candidatei ao Mestrado Erasmus Mundus em Culturas Literárias Europeias (CLE), nem sabia bem em que consistia o programa, muito menos que existiam 149 mestrados deste tipo. Encontrei-o numa página web francesa, meio escondido numa hiperligação escrita em letras demasiado pequenas. Pareceu-me, na altura, uma solução demasiado “eurotópica” para uma jovem do Porto licenciada em Literatura. Só após a leitura daquele e-mail de admissão, meses mais tarde em plena aula de Francês, fui ler em que consistia um Joint Master Degree e calculei a bolsa que me fora atribuída. E tive a certeza de que uma grande mudança estava para chegar.
É peculiar que esta iniciativa europeia não seja do conhecimento geral da comunidade académica portuguesa, já que várias Universidades do nosso país (da Lusófona à Universidade de Évora, passando pelos polos de Porto, Lisboa e Coimbra) fazem parte de consórcios Erasmus Mundus em áreas tão diversas como a Química, o Cinema ou a Educação. Como as candidaturas para o próximo ano abrem já em outubro, partilho o que esta experiência foi para mim e espero, assim, apresentar uma solução prática a potenciais sonhadores além-fronteiras. Quem sabe se não haverá mais estudantes portugueses a viver dois anos de forma tão intensa quanto construtiva como eu os vivi.
Os mestrados Erasmus Mundus são uma formação universitária internacional de dois anos, em período integral, durante a qual os estudantes têm de passar por duas a três universidades de um consórcio mundial. No final de cada programa, depois de defender a sua dissertação de mestrado perante um júri internacional, os estudantes recebem dois ou três diplomas emitidos por todas as universidades onde passaram, pelo menos, um semestre. Para os melhores candidatos (cerca de trinta, a nível mundial), existem bolsas Erasmus Mundus Joint Master Degrees, que cobrem as eventuais propinas, os custos de vida no estrangeiro e de instalação. A antecedência é a palavra-chave no processo de candidatura, porque são exigidos bastantes documentos, por vezes em tradução, e todos devem ser revistos e enviados nos prazos estipulados (para a maioria dos programas, até janeiro).
Só me dei conta da vastidão desta rede de mestrados e das oportunidades que nos abre após ter iniciado o primeiro ano em Mulhouse, na Alsácia. A panóplia de bibliotecas à minha disposição provocou, per se, um grande entusiasmo numa estudante de Literatura, mas foi a participação em projetos de teatro entre a França, a Alemanha e a Suíça que fez o tempo saltar mais rápido do que eu saltava fronteiras. É missão dos Mestrados Erasmus Mundus integrar os estudantes na cultura do país em que se encontram. Isto significa que as Universidades propõem frequentemente atividades culturais para a descoberta das cidades, desde idas ao teatro a visitas a museus, passando por refeições partilhadas em restaurantes locais. A pandemia veio cancelar muitos dos projetos organizados pelas Universidades, mas, porque as possibilidades tinham sido abertas desde início, nós, os estudantes, tomamos diversas iniciativas para encher de cultura e diálogo os nossos tempos livres.
Por si só, esta vivência intensa da alteridade põe já à prova muitas das ideias com que partimos do nosso berço lusitano. Vimos mais tarde a descobrir como a nossa mundividência estava tão enraizada no contexto em que crescemos e movemos. Por este motivo, e numa opinião muito pessoal, o mais valioso da experiência Erasmus Mundus é o grupo de pessoas com quem a partilhas. Durante dois anos, descobrem juntos sistemas universitários, cidades e culturas, ao mesmo tempo que tentam estabelecer pontos de contacto com jovens dos cinco continentes. Muito rapidamente potenciais barreiras linguísticas e culturais se dissolvem perante os desafios que a nova vida no estrangeiro coloca. E a construção de memórias conjuntas promete alimentar muitos sorrisos num futuro mais aberto ao outro. Agora que regressei ao Porto, é-me impossível não estabelecer uma linha nítida entre a minha vida pré e pós-CLE.
Num mundo mais interligado do que nunca, considero esta experiência real da alteridade absolutamente fundamental para a construção de um futuro melhor, seja lá qual for. Este passará forçosamente pela coexistência cada vez mais estreita entre pessoas de origens diferentes, com visões do mundo que precisam de ser compatibilizadas. Sim, a literatura, o teatro e o cinema (a arte, caso ousemos um pouco mais) permitem-nos isso. Sim, a Internet permite-nos isso. Mas sempre à nossa medida, dentro dos limites confortáveis da nossa vontade: assim que nos desagradar, temos o poder de abandonar o livro, de desistir do filme ou de mudar de comunidade cibernética. Na minha experiência Erasmus Mundus, isso não aconteceu, não pôde acontecer, houve uma partilha inevitável do espaço e do tempo que teve de ser vivida da melhor maneira possível, porque durou dois anos. E assim decidimos vivê-la.
Se já antes de integrar um Mestrado Erasmus Mundus me considerava europeísta, esta experiência só reforçou as minhas convicções no futuro da UE. A integração europeia também significa novas oportunidades (financiadas) para jovens que tentam rasgar novos horizontes académicos, profissionais e pessoais. Resta-nos fazer parte dela.
Crónica de Maria Beatriz Almeida
Beatriz Almeida nasceu em 1998 no Porto, onde se licenciou em Literatura francesa e alemã. Foi bolseira do Mestrado Erasmus Mundus em Culturas Literárias Europeias nas Universidades de Bolonha e de Haute-Alsace e representou os estudantes do mesmo programa. Fez do seu fascínio pela literatura uma acumulação de perguntas e poucas respostas, o que por si só já lhe dá bastante prazer.