Miguel Esteves Cardoso e Jair Bolsonaro
Esteves Cardoso marcou várias gerações de portugueses. As suas crónicas, textos e criatividade foram, sobretudo no Independente e na revista K, fundamentais. Há um antes e um depois de Esteves Cardoso. Trouxe luz a muitas trevas, ofereceu cosmopolitismo onde antes existia o mofo saloio do Estado Novo e combateu uma pureza ideológica e cultural de esquerda que não era justa ou progressista. Aconteça o que acontecer ficará para a história do jornalismo e das letras.
A sua opinião sobre Bolsonaro é grave. E só por isso decidi escrever este postal. Se fosse apenas reacionária não viria nenhum mal ao mundo. O seu reacionarismo é brilhante e ajudou a forjar um pensamento alternativo. Só que, neste caso, os argumentos são falaciosos. Pela mesma ordem de ideias, os americanos teriam deixado a Europa definhar às mãos dos nazis, afinal o problema era europeu. Da mesma maneira que centenas de voluntários não estariam hoje a trabalhar em campos de refugiados um pouco por todo o mundo.
Não, caro Miguel. Podemos. E devemos. Jair Bolsonaro é um fascista. E se os brasileiros votaram num fascista isso é um assunto deles, mas se as suas politicas têm como consequência a destruição da Amazónia (como as políticas de Trump têm incentivado movimentos populistas no mundo) então devem ser combatidos pela opinião pública mundial, pelas pessoas de bem e por todos os poderes que internacionalmente for importante arregimentar.
O Brasil merece outro presidente, afirmou muito bem Macron. O Brasil é a pátria de grandes figuras da história do pensamento e da cultura. O país de Chico (que dedicou Fado Tropical aos portugueses interferindo num assunto que também era só nosso), de Vinicius, de Gilberto, de Lispector, de Machado de Assis, de Jorge Amado, de Niemeyer e de vários outros. Mas também o país que elegeu Bolsonaro. Um país de e com elites preparadas, mas também com uma democracia que parece colada com cuspo. Uma democracia sem preservativo, um samba de uma nota só. Alguma coisa terá de ser feita.