MIL: não é possível experienciar tudo, mas o espectador não fica agarrado ao que perdeu, mas sim ao que ganhou
O MIL não é um mero festival. Para além de não estar inserido na época alta do Verão, onde os grandes festivais estão em competição máxima, distingue-se por, em conjunto com o Mexefest, dar a conhecer aos portugueses e aos estrangeiros boa música nacional ou mesmo internacional (principalmente brasileira e espanhola), como também dar a conhecer alguns dos melhores espaços culturais da capital. Não nos enganemos, não é só sobre a noite lisboeta, mas, na realidade, sobre os espaços culturais que enriquecem esta cidade e de como se aproveitam estes mesmos espaços não só com bandas, como artistas em geral e, claro, com público e cidadãos.
Não é um festival com grandes nomes internacionais, mas isso não fragiliza a sua qualidade. A génese do mesmo é criar uma experiência puramente musical e sensorial. Aqui os espectadores podem ver tanto os pequenos nomes aos já muito conhecidos a nível nacional (The Legendary Tigerman, Best Youth ou Moullinex) como também o que está a ser criado lá fora. Todos estes nomes estão no mesmo patamar, não existem palcos principais ou cabeças de cartaz. Os bares ou discotecas caracterizam o que há de melhor na noite da capital e no ambiente cultural nacional e não existe só um tipo de espectador, porque também não existe só um estilo musical. Ainda por cima, agora no meio de uma luta reivindicativa por parte dos artistas de todas as áreas, estes festivais dão um contributo importante à cultura nacional e demonstram a qualidade e a iniciativa que existem na sociedade, em que todos os anos surgem novos festivais e cada vez existem mais bandas, mais artistas e um público cada vez maior e mais heterogéneo.
No primeiro dia, podemos experienciar, por exemplo, o estilo árabe dos Phoenician Drive, onde os artistas combinam sons do Médio Oriente com o Norte de África e o Mediterrâneo, apesar de curiosamente a banda se ter formado em Bruxelas. Para além disto, o indie é visível nos Boogarins, o rock misturado com folk em Alek Rein (heterónimo), o rap com as letras complexas e incisivas de NERVE sobre a actualidade e a sociedade, o disco/funk sensorial no palco de Moullinex com um parceiro extravagante e imparável; e o rock puro do sonho perdido americano em The Legendary Tigerman com o novo álbum Misfit que até as botas lhe saíram dos pés no meio de tanto suor e rock and roll.
No segundo dia, a música não parou nem os pés dos espectadores. A música foi criada pelas mãos dos jovens de leiria, Whales, com uma bateria incansável que “queria partir tudo” em conjunto com sons electrónicos num espaço para algumas dezenas de pessoas; os ósculos embaciados de Bruno Pernadas e a sua banda gigante a criarem um papel onde o jazz se combina com o rock e sempre com toques de musical (que bonitas vozes que se ouviam) ou ainda mesmo as Aeromoças e Tenistas Russos, uma banda brasileira cheia de energia e de palavras bonitas, que não conseguiram deixar a política de lado e apelaram aos espectadores que olhassem para a situação no Brasil. Sean Riley (agora a solo) com uma nostalgia nas suas letras canta enquanto percorre as estradas da América perdida, Monday (experiência a solo de Catarina Falcão) com um palco para o seu folk sincero, moderno e nunca cansativo; e Luís Severo apresenta o seu novo álbum (pianinho) já com outra maturidade e já num estilo mais clássico, uma verdadeira música de embalar com um sentimento de romantismo na ponta dos excertos.
Ainda foi possível ouvir debates sobre de que forma a música está fortemente ligada ao activismo ou à cultura de uma cidade; apresentações sobre outros festivais alternativos como o Bons Sons ou o Tremor, mas também a visualização de filmes no espaço Boavista9.
Não é possível experienciar tudo, mas o espectador não fica agarrado ao que perdeu, mas sim ao que ganhou. Um festival que é tanto uma correria entre salas de espectáculo como a adrenalina nos altos e passos de dança. É o palco onde tanto vemos o artista a tocar como a dançar ao lado com o público, porque na música não existem hierarquias ou estatutos que se sobreponham ao simples prazer desta arte milenar. Agora, só mesmo esperar pela próxima edição e escolher mais uma vez entre uma paleta de opções incríveis.