Murder of the Universe: contos musicais simples e ridiculamente criativos
Os King Gizzard continuam empenhados na sua “resolução de Ano Novo”, o desafio de lançar cinco álbuns durante o presente ano. E com três álbuns já lançados este ano podemos dizer que o septeto australiano é uma das bandas mais activas de 2017. O que separa estes rockers psicadélicos de outros grupos é a sua criatividade acérrima e a procura quase incessante do próximo passo relevante para o seu percurso musical enquanto artistas. No início deste ano divagaram pelo universo microtonal com Flying Microtonal Banana. Este álbum de sonoridade que se estranha mas depois se entranha foi precedido por Nonagon Infinity, um projecto que tinha na sua base um conceito vago, a criação de uma espécie de fita de Möbius musical de garage rock, um projecto sem princípio nem fim mas fervoroso em toda a sua duração. Em Murder of the Universe, a proficiente banda aventura-se mais uma vez por terras conceptuais com um conceito mais robusto e melhor definido. Ao longo de três histórias distintas que servem como um olhar da banda sobre o mundo, é transmitida a já habitual dose de folia alimentada a distorção, e adrenalina lo-fi.
Um dos aspectos que Murder of the Universe melhor denota é a sintonia com a restante discografia de King Gizzard. No segundo capítulo, intitulado The Lord of Lightning vs. Balrog, podemos ouvir motivos e riffs presentes noutros trabalhos. Na faixa de introdução a este segundo capítulo, “Some Context”, ouve-se o riff “oriental” de “People-Vultures” de Nonagon Infinity. Em “Balrog”, a banda replica o riff assombrado de “Trapdoor”, que faz parte do seu leve e acústico álbum Paper Mâché Dream Balloon. Os fãs de longa data certamente esboçarão um sorriso ao reconhecer estes motivos enquanto que os ouvintes que só agora começaram a descobrir a extensa discografia da banda olharão para os riffs como um bom acrescento aos temas onde se inserem. É visível desde o início que este é dos álbuns mais “pesados” da banda: em músicas como “Altered Beast IV”, “The Lord of Lightning”, “Digital Black” ou “Vomit Coffin”, há uma componente mais “crua”, áspera e “violenta” associada, nota-se mais intensidade. Mas o estilo habitual do grupo continua vincado: melodias que seguem a voz e se repetem pelos vários instrumentos, guitarras possantes e linhas de bateria efervescentes sem nunca esquecer o show exacerbado de pratos.
De um ponto de vista conceptual, as partes mais interessantes deste álbum são a primeira e a terceira. No já referido segundo capítulo, The Lord of Lightning vs. Balrog, discute-se uma batalha entre o bem e o mal. No primeiro capítulo (The Tale of the Altered Beast) a banda fala sobre uma besta demoníaca que toma conta de um ser humano e se funde com o mesmo, que não consegue resistir aos avanços do monstro, uma metáfora para o lado mais obscuro de cada um de nós e como por vezes é difícil não ceder às tentações. No terceiro capítulo (Han-Tyumi and the Murder of the Universe), King Gizzard exploram a Humanidade de um ciborgue vivo há milhares de anos num universo distópico e digital, que anseia pela morte e pela capacidade de… vomitar. Sim, o ciborgue anseia pela doce regurgitação de bílis e comida meio digerida. É uma maneira estranha de abraçar a condição humana mas não deixa de ser uma abordagem repugnantemente interessante por parte da banda. Nos tempos que correm cada vez vivemos mais através dos nossos aparelhos e o ponto de vista levantado pela banda é relevante, a saudade que a biologia e o ciclo normal de existência deixam num ser que passou anos e anos separado dessa componente. Han-Tyumi (anagrama de “Humanity”) acaba por conseguir o seu objectivo: consegue o seu desejo de bolçar até este acto se tornar imparável e todo o universo ser engolfado por vómito. Um final adequado para o mais jocoso deste três contos.
São histórias simples com pretextos ridiculamente criativos, cozinhados pela mente do frontman Stu Mackenzie e transpostas para música com a ajuda do vasto número de músicos com quem trabalha. A banda abraça a ambição conceptual sem descurar a “parvoíce” e sem nunca se levar demasiado a sério. Mas apesar de o septeto australiano continuar a cruzar novas fronteiras, o resultado final não é o melhor. As histórias têm intenções nobres mas a narração torna-se um problema ao fim de algum tempo. Acaba por tornar-se aborrecido estar a ouvir constantemente um relato que, ainda que inventivo, não consegue escapar à exaustão. A falta de simbiose entre as histórias narradas e a parte musical também contribui para que o projecto soe disperso: à medida que os contos se desenrolam, as partes cantadas servem como apoio para a história mas por vezes as melodias de Stu são um acrescento pouco entusiasmante, sem elevar o texto narrado.
Murder of the Universe tenta abraçar um novo conceito mas o resultado atingido não é o melhor que a banda já fez. A conjugação entre a história e a música, soa a novo mas essa sensação desvanece-se depressa. É um álbum de King Gizzard, mais um, o segundo este ano que mostra que o grupo liderado por Stu Mackenzie continua a apostar forte na criação musical, mais um em que transparecem as valências do grupo. Mas mostra também fragilidades em abraçar um álbum conceptual desta dimensão de forma metódica, apelativa, e com a pujança que o engenhosa banda australiana já demonstrou ter.
Músicas preferidas: “Altered Beast I”, “The Lord of Lightning” e “Digital Black”
Músicas menos apelativas: “The Balrog”