Não arriscar pode ser o maior risco

por Manuel Clemente,    6 Novembro, 2020
Não arriscar pode ser o maior risco
Manel Clemente / DR
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Já repararam que jogar pelo seguro pode ser a decisão mais arriscada que podemos tomar? Quantas equipas acabaram por perder ao tentar jogar para o empate?

Fruto da nossa herança sociocultural, poucos são aqueles que tiveram a oportunidade de crescer num ambiente em que a tentativa e o erro eram premiados. Enquanto colectivo, sinto que criámos uma atmosfera onde se respira o medo de falhar. Andamos todos a tentar passar pelos pingos da chuva sem perceber que a experimentação também precisa ser regada. Como tão bem disse o autor norte-americano Denis Waitley, por vezes não arriscar pode mesmo ser o maior risco de todos. Posto isto e sabendo que os perigos são reais, como podemos ser mais ousados no nosso processo de decisão? Vale a pena “aventurar-nos” sem conseguir prever qual será o desfecho?

Antes de mais, importa observar o que nos impede de arriscar. Como sempre, tudo vai bater ao sítio do costume: o medo. Temos medo de magoar-nos, de ver a reputação manchada e de não conseguir sobreviver. Acima de tudo, temos um horror absurdo do desconhecido. Nem sempre a dor da queda advém do tombo em si. O que realmente nos magoa é o sentimento de ego ferido. A projecção que criámos de quem somos não correspondeu à realidade e isso fragiliza-nos. Tantas vezes optamos pelo medíocre, mas previsível, em vez do potencialmente melhor, mas incerto. Quando não sabemos, pelo sim pelo não, esperamos sempre o pior. Uma espécie de pessimismo estrutural que talvez justifique tanta da nossa fragilidade. Outro aspecto que também assombra as nossas preocupações são as opiniões dos outros. Sem qualquer outro argumento, a não ser a minha experiência pessoal, sinto que, principalmente em Portugal, ainda nos preocupamos mais em parecer do que em ser. As aparências abrem muitas portas, daí continuarmos com o baile de máscaras.

Existe também uma sobrevalorização do bem-estar material. Na busca pela tão almejada felicidade, optámos por abreviá-la e equipará-la ao conforto. Fazendo uma pequena regra de três simples, instituímos que estar confortável podia dar equivalência a ser feliz. É aqui que começa a nossa campanha pela acumulação de objectos e consequente criação de uma rede de segurança à prova de imprevistos. Isto, claro está, até chegar 2020 e mostrar-nos que não é bem assim. O conforto pode ser a coisa mais desconfortável que existe. É como se estivéssemos a ver o mesmo filme repetidamente. A princípio, até pode ser engraçado completar as frases dos personagens, mas a partir da sétima vez já não achamos assim tanta piada. Adormecer os sentidos e estacionar a nossa evolução é algo que não dignifica o tempo que viemos cá passar, não acham?

Para que consigamos mudar de paradigma é fundamental parar de demonizar os erros. Não apenas os nossos, mas também os dos outros. Errar faz parte, ponto. Não podemos andar para aí a pregar que “errar é o humano” e que “ninguém nasce ensinado”, se depois não toleramos as falhas naturais de qualquer pessoa que se encontre a fazer o que quer que seja. Isto fez-me recordar uma das empresas onde trabalhei que se assumia como “premiadora de erros”. Na teoria, incentivavam as pessoas a tentar e a experimentar sem medo de falhar. Isto, claro está, até alguém cometer um erro. Aí o caso mudava de figura.

Na verdade, falhar pode ser algo fantástico. As lições das derrotas têm um prazo de validade bastante superior ao das vitórias. Os fracassos, quando devidamente digeridos, possuem um potencial de sabedoria que nos permite criar alicerces mais consistentes, capazes de nos prometer a conquista de mais e melhores vitórias. Por outro lado, pegando no “o que não mata, fortalece”, quanto menos vezes cairmos, maior será o medo de cair. Falta-nos visitar o chão mais vezes e ouvir o que tem a ensinar-nos. Resumindo: nada é bom ou mau, tudo é aprendizagem. Isto se fizermos por isso, claro.

Posto isto, como podemos passar à acção? Talvez o primeiro passo seja avaliar os riscos existentes. Todas as decisões, sem excepção, acarretam consequências. Desde o sair de casa sem o guarda-chuva e não saber se vai chover, até ao continuar numa relação que sentimos que não nos faz bem. Estar vivo é estar constantemente a escolher, não há forma de escapar. É também nesta fase de avaliação que acabamos por cometer o primeiro erro crasso. Como sentimos um pavor tremendo em relação ao desconhecido ou simplesmente porque somos preguiçosos, acabamos por empolar os riscos e dar-lhes uma dimensão que não é a sua. Apontamos algo improvável de acontecer e assumimos como sendo um perigo iminente. Isto cria uma justificação fictícia para não agirmos e desresponsabiliza-nos do comando da nossa própria vida. Simples, não é? Somos peritos nesta arte.

Se conseguirmos ultrapassar esta primeira armadilha com distinção, então temos à nossa espera o passo seguinte: a gestão de expectativas. Todos esperamos algo de tudo. Tanto pode ser do restaurante que escolhemos como da oferta de emprego que aceitámos. Atenção que não estou a dizer que é errado ter expectativas. É perfeitamente normal que as tenhamos. Aquilo que não devemos fazer é apegar-nos em demasia, pois quando o fazemos podemos estar a abrir a porta à desilusão. Esperar o inesperado acaba por ser sempre a opção mais sensata.

Em terceiro e último vem a rede de segurança: o voltar atrás. Obviamente que não possuímos a opção CTRL+Z, no entanto é sempre mais fácil retroceder na nossa decisão do que imaginamos. E tantas vezes esquecemo-nos desta “facilidade”. Antes de ir viver sozinho para Cabo Verde, estava cheio de medo de me arrepender. Julguei-me insensato e ingénuo, mas sempre com o bilhete de avião a obrigar-me a manter a minha opção. Após atestar-me de ansiedade sem qualquer fundamento, fez-se luz. “Espera lá, se eu não gostar tenho sempre a hipótese de voltar e está tudo bem”. Isto agora soa tão óbvio que até me custa a entender porque demorei tanto tempo a chegar a essa conclusão. No entanto, a verdade é que grande parte das decisões têm volta a dar. Não obrigatoriamente ao ponto de onde partimos, mas lá perto pelo menos. Podemos sempre desistir da escolha, só não o devemos fazer à primeira adversidade.

Felizmente, tenho o privilégio de já ter conversado com muitas pessoas que decidiram arriscar e fazer diferente. E sabem o que todas têm em comum? Isto: “afinal não foi assim tão complicado”. Existe até um provérbio sueco que diz que o medo atribui grandes sombras a pequenas coisas. Acredito que, em maior ou menor escala, já todos sentimos isso na pele. Por isso, já é tempo de parar de colher os frutos da nossa imaginação e começar a plantar decisões que nos aproximem de nós.

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