Não estará o activismo a tirar voz à ciência?

por Comunidade Cultura e Arte,    21 Novembro, 2019
Não estará o activismo a tirar voz à ciência?
Greta Thunberg / Imagem de Curious Brand
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O alarmismo dos ativismos é necessário mas nem sempre tem efeitos práticos, especialmente se não for acompanhado de algum realismo. Quando Greta Thunberg discursou na Cimeira do Clima da ONU ridicularizou-se a forma e pouco se debateu o mais importante: a razão do seu conteúdo. Ainda hoje duvido que tenha surtido qualquer tipo de efeito prático em cada representante político que o ouviu. Mas ficou bem e fez correr muita notícia. Por outro lado, a ideia de que o relativismo do seu testemunho individual pode mudar consciências esquece que é impossível adequá-lo ao modo de vida de todas as pessoas que o ouvem. Na melhor das hipóteses, essas mesmas pessoas refugiar-se-ão no relativismo da sua própria boa consciência ambiental para mudarem alguns comportamentos. O que não é mau, de todo, mas é insuficiente para o efeito que se pretenderia com a intervenção da jovem ativista.

Discute-se muito sobre as alterações climáticas e é mais do que óbvio que as consequências estão à vista, mas ouve-se muito pouco a comunidade científica no debate político. E seria importante ouvir com mais detalhe. A informação que chega pelos jornais é parca, as notícias nem sempre explicam bem os estudos que relatam. Para o leitor que se fica pelo título, fica frequentemente a mensagem a anunciar o fim do mundo para o dia seguinte. Em contrapartida, alguns lobbies aproveitam este forrobodó para tirarem o máximo proveito, promovendo ativismos muitas vezes contraditórios, em que muito frequentemente se encontram pessoas que sabem perfeitamente o que querem defender mas não sabem muito bem o que poderá estar em causa com a posição que tomam. A mensagem que se passa por esta via é frágil e é aqui que os cépticos ganham terreno. É por isso que o movimento pelo alarme não chega e culmina como a velha história do Pedro e do lobo, cuja narrativa tem por base o mesmo princípio.

Nós, cidadãos eleitores, devemos exigir mais da classe política, sobretudo quando se trata de um tema tão sério como o das alterações climáticas e as suas consequências. Em primeiro lugar, é imperativo que se faça definitivamente um debate público sério sobre os efeitos das alterações climáticas, não ouvindo só as “Gretas”, mas sim, e também dando principal enfoco, os cientistas que estudam o clima, que estudam as consequências nos ecossistemas, nos fenómenos migratórios, na agricultura, no aumento do nível das águas do mar e na erosão costeira. É preciso que se apresentem números e dados concretos sobre o que se está a passar e que bem podem elucidar os políticos e os cidadãos mais cépticos. É preciso entender-se como e até onde estão feitas as previsões e o que as fundamenta. Em segundo lugar, e porque se exigem mudanças políticas, devem ser ouvidos os especialistas que têm caminhos a apontar nas políticas ambientais e nos investimentos necessários para as levar a cabo. E talvez sejam eles os mesmos cientistas que estudam o planeamento da mobilidade, as mudanças de paradigma no setor energético, a captura e o armazenamento geológico de CO2, as possíveis sinergias para a promoção da economia circular e de um livre mercado sustentável. E se a reunião com os espanhóis não permitir nenhuma alteração na Convenção de Albufeira, são ainda os mesmos especialistas que poderão indicar ao senhor Ministro do Ambiente algumas soluções para uma melhor gestão dos recursos hídricos em tempos de seca severa, para que se evitem as consequências de um rio Tejo quase sem caudal em algumas partes do seu percurso como se registou no último ano hidrológico.

Sei que isto não vende, mas é o caminho para uma verdadeira mudança. As Universidades e o trabalho que nelas se faz deviam ter um efeito prático na sociedade e na política que fosse mais além daquele que é apresentado nos rankings. Enquanto o seu papel for remetido para segundo plano, continuamos a discutir o sexo dos anjos sem qualquer rumo bem definido.

Por isso, por favor, chamem também os cientistas ao parlamento!

Crónica de Filipe Moisés
O Filipe nasceu no Porto, vive em Valongo, tem 25 anos e é mestre em Engenharia do Ambiente pela FEUP. Atualmente é bolseiro de investigação e candidato a doutoramento, tendo vindo a desenvolver o seu trabalho na recolha e armazenamento da energia solar em células fotoeletroquímicas e baterias solares de fluxo redox de caudal.

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