Não pode, sr. Presidente da Assembleia da República
O crime de incitamento ao ódio e à violência encontra-se previsto no n.º 2 do artigo 240.º do Código Penal e é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, pelo que não permite, cito, que se provoque ou incite a prática de atos de violência, difamação, injúria ou ameaça a pessoas ou grupos de pessoas, nomeadamente, leia-se, em razão da sua etnia, nacionalidade, religião, género, orientação sexual ou deficiência.
O deputado André Ventura disse na Assembleia da República, em alto e bom som, que “os turcos não são propriamente conhecidos por serem o povo mais trabalhador do mundo”. O Presidente da Assembleia da República (PAR) afirma que o deputado “tem liberdade de expressão para se exprimir”. Alexandra Leitão, deputada do PS, utiliza bem o momento para questionar o PAR: “Se uma determinada bancada disser que determinada raça ou que determinada etnia é mais burra, mais preguiçosa e menos digna, também pode?”, ao que o PAR responde: “no meu entender, pode”.
Termos a segunda figura de Estado a defender discursos de discriminação de um partido de extrema-direita racista e xenófobo não configura exercício de liberdade de expressão nem defende a Constituição da República Portuguesa, tal como não configura, que eu saiba, liberdade de expressão ameaçar, difamar ou caluniar.
Alguns indivíduos defendem a posição do Presidente da Assembleia da República pelo princípio de defesa da liberdade de expressão, mas o impedimento da difusão destas ideias não representa censura. Aliás, afirmá-lo parece-me bastante redutor e pateta. Outros afirmam simplesmente que o PAR tinha o dever de defender a igualdade, usando como base, se não o seu próprio bom senso, os Direitos Humanos e a Constituição da República Portuguesa. Direitos fundamentais não são alvo de debate.
Por isso mesmo, considero o posicionamento do deputado André Ventura e posteriores declarações do PAR absolutamente inaceitáveis e perigosas, especialmente quando os crimes de ódio em Portugal, traduzido apenas em números oficiais, aumentaram 38% em 2023.
Temos sofrido as consequências do crescimento da extrema-direita, com proliferação de discurso de ódio em horário nobre nos principais canais de televisão e nas redes sociais, mas as consequências permanecerão porque temos mais uma figura institucional portuguesa a validar discurso de ódio sem qualquer tipo de esclarecimento ou adversão.
Precisamos de ações firmes de consciencialização, reparação e condenação para combater todo o tipo de discriminações, dado que é um problema estrutural, institucional e quotidiano. Não podemos assistir ao aumento de crimes de ódio, como a agressão de uma criança nepalesa numa escola, um ataque de um casal homossexual ou um espancamento a imigrantes, e dizer: “no meu entender, pode”.
Não pode, sr. Presidente da Assembleia da República.