Nem o Papa teria cancelado o 25 de Abril

por Manuel Neves,    24 Abril, 2025
Nem o Papa teria cancelado o 25 de Abril
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A morte do Papa Francisco é, sem dúvida, um momento de tristeza para milhões de crentes e cidadãos em todo o mundo. Um líder espiritual que se destacou por defender os pobres, os marginalizados e os direitos humanos, Francisco foi uma voz firme contra o autoritarismo e um dos maiores defensores da liberdade no nosso tempo. Ironicamente, é em seu nome que o Governo português decidiu… suspender a celebração da liberdade.

O anúncio feito pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, de que o Governo cancelaria “toda a agenda festiva” do 25 de Abril e adiaria celebrações, sob pretexto do luto nacional pela morte do Papa, soa a uma deturpação do próprio legado de Francisco. O Papa jamais defenderia o silenciamento da liberdade — muito menos da liberdade conquistada à custa de sacrifício e coragem, como aconteceu no Portugal de 1974.

É claro que o luto nacional implica sobriedade institucional. Mas é precisamente por isso que a decisão de manter apenas a “sessão solene” na Assembleia da República, com tudo o resto “adiado”, revela um sintoma maior: um governo que não entende — ou pior, não quer entender — o verdadeiro espírito do 25 de Abril. Celebrar a liberdade não é fazer festa por fazer. É um ato de memória. De afirmação democrática. De resistência contra o esquecimento.

A legislação do luto nacional pode ditar que se suspendam festas e celebrações de cariz puramente recreativo. Mas o 25 de Abril não é um arraial: é um momento fundacional da nossa democracia. Adiá-lo é, no mínimo, simbólica e politicamente desastroso. E invocar o nome de Francisco para justificar esse gesto é, para muitos, um insulto, cuja vida foi dedicada a denunciar o silêncio cúmplice e o medo que alimentam os regimes autoritários.

Francisco não pediu silêncio. Pediu ação. Pediu coragem. Pediu liberdade para todos — e não apenas a liberdade “permitida” por quem está no poder. O mais grave nisto tudo? É que o Governo português parece mais preocupado com a coreografia do luto do que com o conteúdo da liberdade.

Enquanto uns baixam bandeiras, outros baixam a cabeça. Mas o povo português já provou que não esquece o que custou conquistar Abril. E é essa memória que continuará viva — com ou sem autorização do Governo.

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