Never mind the bollocks: eis uma crónica com os Sex Pistols
Começo com uma piada: os Sex Pistols estão na Disney. A série “Pistol”, realizada por Danny Boyle, baseia-se na biografia do guitarrista Steve Jones — “Lonely Boy: Tales From a Sex Pistol”. Em Portugal ainda não está disponível na plataforma Disney+, contudo “mão amiga” fez-me chegar os seis episódios, obtidos de forma que o protagonista da história decerto aprovaria.
Relata a fugaz história da banda punk centrada nas memórias de Jones e, talvez por isso, a série tenha sido bastante criticada (num programa da manhã) pelo vocalista Johnny Rotten — que ali aparece retratado como um formidável espécimen de freak, uma espécie de Gollum do Senhor dos Anéis com pior dentição e adornado com correntes metálicas.
As principais críticas à série dizem respeito ao facto de tratar a história de uma das maiores bandas punk de todos os tempos como uma pantominice, e os seus intérpretes como cartoons. As pessoas esperavam maior dramatismo no canal do rato Mickey, suponho. Não vou ser spoiler, quero só aqui avisar que é a minissérie que eu já vi que tem mais cuspo, vómito, sangue e cocó. Bom entretenimento, se querem a minha opinião. E a banda sonora não é má.
Goste-se ou não da série e/ou dos Sex Pistols, o grupo foi, sem sombra de dúvidas, um dos mais influentes da música popular. Reza a lenda que o concerto de 4 de junho de 1976, em Manchester, deu origem a várias bandas tão importantes como os Joy Division, Buzzcocks, The Smiths e The Fall. Tudo porque na audiência daquele concerto estavam alguns jovens como Ian Curtis e Peter Hook, Howard Devoto e Pete Shelley, Morrissey ou Mark E. Smith.
A carreira dos Pistols foi curta e grossa, seguindo a velha máxima “live fast, die young”. Já eu, que vivo a outro ritmo, tenho como espécie de amuleto a capa do único álbum que a banda britânica lançou: Never mind the bollocks. Em formato de porta-chaves. Comprei-o no dia em que tive que encontrar indumentária para um evento pós-laboral com colegas de trabalho, no qual o dress code é aquele “casual” em que não é para ir de fato, mas também não é para estar de calças de ganga e t-shirt dos Rage Against the Machine. E eu tinha um problema: não dispunha de vestuário desse tipo “intermédio”, de quem bebe gins em rooftops, de preferência durante sunsets. Pois bem, o meu parco conhecimento de marcas de roupa, a minha baixa autoestima, e as vicissitudes de uma vida regida em oposição à famosa frase de Neil Young (em que “cá estamos” em modo fade away para tentar evitar o burnout) colocaram-me numa conhecida loja de roupa de marca recomendada por 9 em cada 10 betinhos. Aí adquiri um pólo azul marinho (se eu alguma vez pensei escrever esta frase, quanto mais realizá-la) que, não sendo de uso “profissional”, também não é “de trazer por casa”. Porém, o meu coração vacilou. De repente senti-me essencialmente vencido. Onde estava o fã dos Dead Kennedys, dos The Clash ou dos Ramones, da minha juventude? Na minha cabeça ecoava a voz de Rotten cantando “Submission/ going down, down/ Dragging me down”. Num assomo de rebeldia, dirigi-me à FNAC mais próxima e comprei o adereço-mas-utilitário que ainda hoje trago no bolso. Um porta-chaves dos Sex Pistols comprado numa loja de uma cadeia multinacional — este texto é só rir.
Se me virem na rua bem vestido, saibam que no torso posso parecer apenas mais um fruto do sistema, porém no bolso carrego a centelha inconformada da revolução. Pelo menos quando não me esqueço das chaves em casa, ao sair cedo para o trabalho. Tenho pena de não viver em Londres: àquela hora podia ser que me cruzasse com o Johnny Rotten no seu caminho para os programas da manhã.
PS: A mão “amiga” que me fez chegar a série conseguiu também introduzir um vírus ao computador, que quase me impediu de escrever a crónica. “Há males que vêm por bem” seria a moral da história se o distinto leitor não estivesse a ler esta miséria; caso contrário, a moral é que o crime não (me) compensa. A nível de punk, convenhamos: sou muito fraquinho.
PS2: Senhores da Disney e demais entidades — tudo o que está aqui escrito é ficção pura vinda de uma mente perturbada pelo que o seu autor deve sempre e em qualquer caso ser considerado, no mínimo, como inimputável, se faz favor e obrigado.