‘Night Is Short, Walk On Girl’: a criatividade necessária para continuarmos a alucinar
Masaaki Yuasa é hoje em dia um nome bastante consensual no mundo da animação japonesa. Este artista japonês iniciou a sua carreira como designer/ilustrador de cenários para a famosa série de televisão “Shin Chan”, mas não foi preciso muito para que começasse a ser visto como um génio criativo algo fora do vulgar. O seu estilo de animação pouco convencional, com linhas finas onde as dimensões variam a cada plano e segundo, aliado à sua criatividade para criar histórias alucinantes chamaram a atenção de vários animadores japoneses, entre eles Kôji Morimoto, que trabalhou em projectos como “Akira” ou “Kiki’s Delivery Service”, para referir apenas alguns.
Sendo assim, Morimoto pegou em Yuasa e juntos criaram a louca aventura de “Mindgame”, uma longa-metragem animada que retrata uma viagem psicadélica como se estivéssemos sob o efeito de alguma droga alucinogénica, bem ao estilo de “Paprika” do génio Satoshi Kon (“Perfect Blue” ou “Tokyo Godfathers”).
De “Mindgame” até aos dias de hoje Yuasa esteve envolvido na incrível série de animação “Kaiba”, criou um episódio para a série americana “Adventure Time” (“Food Chain”), a série “Devilman: Crybaby” para a Netflix e duas longas-metragens, “Lu Over The Wall” e “Night Is Short, Walk On Girl”, filme que ganhou em 2018 o prémio de melhor filme de animação da Academia Japonesa e que tem a sua estreia internacional fora de competições neste mesmo mês de Agosto.
“Night is Short, Walk On Girl”, parte de uma simples premissa, assim como “Paprika”. Uma jovem rapariga quer divertir-se durante uma noite no Japão e conhece diversos personagens carismáticos que a levam de festa em festa, festival em festival e desafio em desafio. O álcool é um dos temas principais do filme, sendo que vários personagens ficam embriagados (excepto a personagem principal). É ao explorar uma temática tão pouco popular no Japão, mas ao mesmo tempo tão presente no dia-a-dia, que Yuasa demonstra a sua excelente capacidade narrativa. O álcool serve de metáfora para diversos temas e ilustra um grande problema que existe no Japão: o uso do álcool como desculpa para vários problemas e como solução para os mesmos. Yuasa brinca com os costumes japoneses, com as tradições e fá-lo sempre com sequências “over the top”, como por exemplo na dança dos Sofistas, onde através de uma das danças mais parvas do universo, consegue referir diversos problemas sociais e existenciais (a metáfora do tempo em que os relógios dos mais velhos aceleram a super velocidade e o dos mais novos andam mais lentamente é excelente).
Ao longo da noite a personagem principal conhece personagens que personificam vários elementos estereotipados na cultura japonesa. Um desses personagens chama-se Senpai e é completamente apaixonado pela protagonista feminina. O seu objectivo é conseguir obter um livro que pertencia à personagem principal e oferecer-lho de forma a conquistar o seu coração. Claro que pelo meio há uma enorme jornada psicadélica, bem ao estilo de “Mindgame”, o primeiro filme do realizador.
“Night is Short, Walk on Girl” é um dos filmes de animação mais criativos e divertidos dos últimos anos, uma verdadeira lufada de ar fresco no cinema de animação japonês, que embora tenha uma qualidade bastante elevada, circula sempre à volta dos mesmos temas e esquemas de animação. Yuasa acrescenta não só um estilo de animação livre e criativo, mas também uma composição narrativa alucinante e cheia de referências.
Não há dúvida que estamos perante um marco no cinema de animação japonês, embora neste caso os créditos tenham que ser repartidos com Tomihiko Morimi, autor do livro que inspira toda a história.