“No 25 de Abril, Salgueiro Maia fez tudo para que as coisas não descambassem. Estávamos à beira de uma guerra civil”, recorda Natércia Salgueiro Maia
Ao folhear um álbum onde Salgueiro Maia guardava recortes de jornais, a mulher, Natércia, encontrou, inadvertidamente, um postal com uma ameaça: “Ainda hão de aparecer muitas cabeças de capitães penduradas nos candeeiros“.
Natércia Salgueiro Maia estava a ver o álbum que uma amiga oferecera ao casal quando reparou no postal guardado por trás de um recorte.
“Ele escondeu o postal para que eu não visse, mas chamou-me a atenção o postal”, descreveu Natércia Salgueiro Maia, ao recordar o período em que vivia com “a PIDE [polícia política] à porta de casa” e receava pela vida do casal, ao virar da esquina.
“Tinha algum receio. Numa altura em que íamos ainda à missa, quando dávamos a curva, tinha receio que estivesse alguém à nossa espera”, confessou à Lusa.
Quando acompanhava Salgueiro Maia a Lisboa, onde o então capitão se reunia com outros elementos que constituíram o Movimento das Forças Armadas (MFA), Natércia por vezes fechava os olhos no carro, vencida pelo cansaço: “Quando abria [os olhos] parecia que via logo coisas à frente do carro, com algum receio de que nos fizessem algum mal. Isso lembro-me!”.
Lembra-se também do período conturbado a seguir ao 25 de Abril e da preocupação de Salgueiro Maia com o futuro do país. “Em especial, em 1975, foi um ano em que ele andou muito preocupado e algum nervosismo pela maneira como as coisas estavam a correr. Foi um ano um bocadinho difícil”, admitiu.
“Chegamos a estar no Algarve e ele e os colegas vieram para Lisboa, porque estávamos à beira de uma guerra civil. No 25 de Abril ele fez tudo para que as coisas não descambassem”, acrescentou Natércia Salgueiro Maia.
Depois do 25 de Abril, prosseguiram as reuniões em Lisboa, já em 75, da comissão coordenadora do MFA, que eram “mais tensas”, admitiu.
Ao percorrer as memórias do Período Revolucionário em Curso (PREC), Natércia apontou para um tamborete — na época forrado com uma pele que Salgueiro Maia trouxera da Guiné —, onde o capitão estava sentado quando assistiu, estupefacto, à demissão do general Spínola do cargo de Presidente da República em 30 de setembro de 1974.
“Estava sentado naquilo a ouvir o Spínola e depois ficou assim… o fulano demitiu-se e ele ficou preocupado. Não estava à espera”, disse.
O tamborete, hoje com um revestimento mais contemporâneo, continua na sala em que Natércia Salgueiro Maia recebeu a Lusa, nos arredores de Santarém.
António de Spínola acabou por fugir para Espanha, antes de se exilar no Brasil, em 1975, depois de se envolver numa tentativa de golpe de direita.
A democracia pluralista com que Salgueiro Maia sonhava consolidou-se, ultrapassado o verão quente de 1975 e com a aprovação da Constituição da República Portuguesa, em 1976, atualmente em vigor.
Portugal celebra este ano os 50 anos da revolução dos cravos.