NOS Alive 2018: “rockin’ in the free world”

por Comunidade Cultura e Arte,    15 Julho, 2018
NOS Alive 2018: “rockin’ in the free world”
Arlindo Camacho / NOS Alive
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A última jornada do NOS Alive conduziu-nos por um misto de sensações, mas todos os caminhos foram dar a um concerto: Pearl Jam, isolados, no coração da noite. Antes deles, a música fez-se das desgarradas da guitarra e da voz de Jack White, da energia dos Franz Ferdinand, da atitude de Alice in Chains… enfim, de muito rock. Ao nível da recepção, o nível talvez tenha pecado um pouco pela elevada concentração de fãs que estavam apenas para ouvir Eddie Vedder, principalmente por aquela facção do público que, mesmo que não esteja interessada nos restantes concertos, não se inibe de conversar em alta voz durante os restantes concertos, enquanto mata as horas. Ainda assim, e embora esses momentos prejudiquem a sensação de viver um festival e um cartaz como um todo diverso e harmonioso, foi um encerramento digno para a edição deste ano do NOS Alive – ou não fossem Pearl Jam e Jack White dois dos maiores nomes da música rock. Narramos o que aconteceu diante dos nossos olhos e ouvidos no dia 14 de Julho no Passeio Marítimo de Algés.

Começámos a tarde no Palco Coreto by Arruada, ainda o sol ia alto. Era Primeira Dama, o artista português de música alternativa, que embalava a modesta plateia com os seus melódicos temas compostos à base de electrónica. O embalo conquistou os presentes. O músico, ele próprio embrenhado na sonoridade que convocava aos sintetizadores e misturas rítmicas pré-gravadas, apresentou – entre uma mão-cheia de temas – uma versão de José Mário Branco, “Tiro-No-Liro”, talvez o momento mais refrescante de todo o concerto. Infelizmente houve tempo para pouco mais; mas ficou o piscar de olho a um tipo de música a que o Alive poderá dar mais espaço de antena. É interessante o lugar que o coreto veio a conquistar no festival: um lugar onde podemos contar com nomes mais emergentes, concertos descontraídos, descobertas surpreendentes, e decibéis mais moderados. Um cantinho verdadeiramente reconfortante.

De um palco pequeno para o outro, ainda espreitámos vinte minutos do concerto de Marta Pereira da Costa, no EDP Fado Café. Eis outro espaço do NOS Alive, presente de algumas edições para cá, que consegue programar concertos que dificilmente resultariam melhor noutro ambiente. Na pequena sala perdida no meio da rua das lojas e das marcas patrocinadoras assistimos a uma performance da artista aos comandos da guitarra portuguesa – e acompanhada por um banda de mais quatro elementos, que puxava os arranjos para o jazz e outros géneros musicais improváveis (como por exemplo animados ritmos brasileiros). Um momento de desconstrução de um dos instrumentos típicos do nosso país.

Arlindo Camacho / NOS Alive

A hora designada para os Alice in Chains subirem ao palco principal é capaz de ter confundido ligeiramente quem os quis ver: ouvir os sons pesados e densos do icónico grupo de Seattle às 18:00 (e em doses de apenas pouco mais que setenta minutos) resultou em pequenas críticas similares às que já tinham sido feitas pelos seguidores dos Nine Inch Nails no primeiro dia do festival. E nem a mistura de som ajudou a melhorar este cenário: em vários momentos, os microfones de William DuVall e Jerry Cantrell surgiam quase sufocados pelos outros instrumentos, o que levou a que as suas vozes se ouvissem com pouca clareza. Mas os amantes fervorosos da banda – que já olhavam para este concerto com entusiasmo quando ainda se esperava pelo abrir de portas das três da tarde – estavam determinados a fazer o que podiam para que as coisas corressem bem. E a qualidade da música tocada, num setlist que combinou muitos temas lendários da era de Layne Staley com o mais recente material da banda, conquistou a sua felicidade.

O público aplaudiu os novos singles, cantou os clássicos, delirou com o baixo de “Would?”, acompanhou incansavelmente “Man in the Box” e “Rooster”, e emocionou-se com a homenagem a Layne em “Nutshell”. O tempo passou rápido de mais – foi ele que, de certa forma, impediu que se tocassem fan-favorites como “Junkhead”, “Dirt”, “I Stay Away” ou “Down in a Hole”, para citar apenas alguns – num concerto que encarou contrariedades, mas que acabou por ser uma merecida prenda para os fãs que, com genuína felicidade, partilharam aquele dia e aquela memória com a banda desde que soara o primeiro acorde.

Sara Camilo / CCA

Dali saltámos para o Palco Sagres, porque os Real Estate assinalavam o seu regresso a Portugal – em 2011 haviam ocupado a Zé dos Bois, com assistência muito limitada; e em 2016 o Rock in Rio, num dia encabeçado por Maroon 5 e Ivete Sangalo, pelo que também será seguro deduzir que não terão tido grande público. Mais surpreendente e triste foi verificar que o Palco Sagres não conseguiu reunir interessados suficientes para ocupar mais que um quarto do recinto. Talvez num futuro Primavera ou Paredes? Os Real Estate merecem. Embora a meio do concerto nos tenham oferecido uma série de temas algo monótonos e muito parecidos entre si, a recta inicial e o segmento final mostraram o que de melhor os americanos têm para oferecer. Música de tardes de verão preguiçosas, que convocam uma emoção saudosista e paciente (pese embora um single do mais recente álbum inclua em lugar de destaque a palavra impatiently). As harmonias vocais, as malhas das guitarras, a estética minimal – tudo contribui para um todo sereno e saboroso. Esperemos que à próxima seja de vez, e que a banda encontre o seu público (ou o público encontre a banda).

A noite era sobretudo de Jack White e Pearl Jam, e, por volta das 20 horas, a expectativa acerca do modo como se iam apresentar era já enorme. Mas enquanto os grandes nomes repousavam nos bastidores, os Throes + The Shine tomaram a iniciativa e deram um dos concertos mais electrizantes do dia. O palco NOS Clubbing– um que é melhor definido pelo seu cariz tipicamente acolhedor e caloroso – e o estilo do trio oriundo do Porto e de Luanda estabeleceram um casamento perfeito: a energia impressionante que a banda exibe com charme (e que nunca parece acabar) convenceu até os que por norma preferem estar mais parados a saltar com entusiasmo, para que pudessem fazer parte de momentos especiais em que as barreiras entre os artistas e o público desaparecem por completo. Ver os Throes + The Shine ao vivo é assisti-los no seu habitat natural, e é quase impossível resistir à sua entrega. Bem podem dizê-lo as pessoas que dançaram e dançaram como se não houvesse amanhã, seguindo o exemplo do sempre amável Mob e confiando no seu instinto. Os corpos a transpirar e o fôlego a faltar no fim de tudo já se esperam, como sinais de que o grupo conseguiu fazer o que pretendia e trazer um sentimento de felicidade libertadora a todos os presentes. Ontem, como de costume, conseguiram cumprir a sua missão.

Sara Camilo / CCA

À hora anunciada, Jack White sobe ao Palco NOS para uma das mais intensas prestações da noite. O Alive conseguiu chegar a um patamar, em termos de grandes nomes no cartaz, que consegue trazer, com frequência, duas grandes bandas que funcionam quase como co-headliners uma para a outra. Embora seja lamentável que a organização só tenha confirmado Jack White depois do dia se encontrar esgotado pelos fãs de Pearl Jam, por outro lado é de louvar que não se tenha poupado nos custos do dia, e tenha contratado um dos maiores nomes da cena rock internacional. White subiu ao palco com ímpeto, garra e uma humildade desarmante, manifesta em vários momentos ao longo do concerto. Desde logo pela generosidade com que ofereceu à plateia o seu virtuosismo musical, com solos transcendentes, e carregados da sua marca autoral. Ao seu redor, uma banda competente que tão bem o acompanhou – embora em alguns momentos pouco se ouvissem as teclas (o som nem sempre esteve perfeito).

João Silva / NOS Alive

É pena que a plateia não tenha correspondido a toda a entrega do guitarrista americano – lenda dos White Stripes – que, certamente, teria merecido mais efusividade entre os presentes. Ainda assim, o ambiente desinteressado não foi suficiente para estragar a festa a quem lhe dedicou atenção. Após “Seven Nations Army” ter finalmente posto toda a gente a saltar, White chamou a banda para agradecer em conjunto, numa vénia pronunciada. Foi o único momento desta edição do NOS Alive em que vimos tal coisa acontecer. “Em seguida, vêm os grandes Pearl Jam”, anunciou o músico. Ainda o havíamos de ver e ouvir nessa noite.

O que se seguiu foi uma hora de intervalo, grande parte da qual dedicada à transformação visual do palco. Quinze minutos depois da hora marcada – um atraso que não cai mal ao cabeça-de-cartaz, mas que haveria de contribuir para o atraso mais grave da banda que se seguiria, os MGMT – os Pearl Jam lá ocupavam as suas posições, debaixo de uma enorme ovação. A banda responsável por os passes de três dias terem esgotado sete meses antes do festival tinha diante de si o público fiel e dedicado que há muito os esperava. E soubemos de imediato que a espera tinha valido a pena. O público correspondeu à entrega de Vedder, e cantou com ele em muitas das canções. Por exemplo, “Even Flow” e “Alive” foram dois dos momentos em que os decibéis da plateia subiram muito alto. “Black”, outro dos momentos mais emocionantes da noite, cujo solo foi interpretado colectivamente pelos 55.000, inscrito nas vozes de todos. Mas até em alguns dos deep cuts, canções mais desconhecidas, ouvimos vozes entoar cada palavra – “In My Tree”, do álbum No Code, foi um dos casos (houve pelo menos uma canção de sete álbuns diferentes da banda).

Os concertos dos Pearl Jam são caracterizados por setlists abertas e imprevisíveis – na noite do Alive, foram sensíveis ao pedido de uma pessoa da audiência, que levantou um cartaz a pedir que a banda interpretasse “Rise” em homenagem às vítimas dos incêndios florestais do ano passado. “Daughter” viu a sua secção central ser transformada para a língua portuguesa – “Está tudo bem, está tudo bem”, cantou Vedder, que também iniciou o concerto a fazer diversas intervenções na nossa língua. O encore deu espaço a um inspirador discurso, um incentivo a sermos melhores, seguido de dois covers que ilustraram bem a ideia – “Imagine” de John Lennon e “Comfortably Numb” dos Pink Floyd.

Sara Camilo / CCA

Mas o momento da noite – e a imprensa internacional já tornou o assunto viral, para grande proveito do NOS Alive – foi aquele em que, em plena jam da banda, o baixista recupera a linha melódica de “Seven Nations Army”. De seguida, eis que entra o próprio Jack White, que tinha estado todo o tempo na lateral do palco a assistir ao concerto – e, juntos, Pearl Jam e o ex-White Stripes interpretam “Rockin’ in the Free World” – uma performance intensa e impecável, e uma ocasião absolutamente inédita. Foi a coroação da última noite do festival.

Após a debandada dos ouvintes de Pearl Jam, a plateia ficou imensamente reduzida para MGMT. O lixo espalhado pelo recinto deu à demorada espera um sabor a fim de festa, a epílogo – embora não de uma forma idílica, ou particularmente inspiradora. Faltavam quinze minutos para as 3 da manhã – quase uma hora depois da hora prevista – quando o concerto iniciou. Não é fácil, ao fim de três dias de festival, aguentar-se tanto tempo entre sets, e esticar-se a noite até horas tão tardias. Mas os MGMT mereciam a nossa presença, a nossa resposta e o nosso ânimo. É que o álbum que nos ofereceram este ano, Little Dark Age, é uma obra surpreendente no contexto da sua carreira, uma mudança de rumo refrescante que tem sido acolhido com muito agrado pela crítica e pelo público. Ao vivo, os temas não desiludiram – tanto os mais recentes, como os mais antigos, tudo contribuiu para um ambiente distópico e psicadélico, numa música electrónica dançável mas que recorre com frequência a tons menores.

Sara Camilo / CCA

O palco, decorado com muita vegetação e um balão gigante da figura fantasmagórica que adorna a capa amarela do último o álbum, tornou-se um cenário absorvente. No público, agora com espaço numa praça principal muito desfalcada, formaram-se aqui e ali algumas pequenas pistas de dança, em que as pessoas gastavam os últimos cartuchos. Muitos sorrisos, entre o público, olhos fechados. Corpos a balançarem-se devagar, com ternura. Um concerto surpreendente de uma banda cujo rumo é tão misterioso quanto os temas que criam.

Por fim, a fechar a última noite do festival, surgem Perfume Genius no Palco Sagres. O alter-ego Mike Handreas, aparece com a sua tão conhecida imagem hiperbólica, coloca o público dançante e num estado de constante curiosidade. Todo o concerto acaba por ser um desfile sobre a sua sensibilidade, com músicas que abordam diferentes temáticas desde a homofobia à violência. O ambiente começa a aquecer com as expressões de Mike, que dança no palco com toda a sua sensualidade e canta de forma poética como se tudo ficasse em câmara lenta. Canta maioritariamente o último álbum No Shape lançado em 2017 pela editora Matador. Uma performance que se destaca pela sua confiança e coragem em se apresentar com todo o drama e fragilidade que caracteriza o ser humano.

Sara Camilo / CCA

Foi com esta nota de despedida, tocada a diversos tons e ressoando diversos timbres, que deixamos um NOS Alive intenso, caloroso e completo, recheado de uma oferta musical notável. Por mais que os constrangimentos do espaço, que a organização terá de pensar como resolver (no limite alterando a sua localização), a presença musical compensou aquilo que prometia, para lá dos cabeças-de-cartaz há tanto anunciados. Entre surpresas e confirmações, ficou-nos a certeza de mais uma viagem musical repleta, recheada, e inspiradora. O NOS Alive tem um dos cartazes mais fortes a nível mundial dedicados ao rock – mas não descura outros géneros musicais, tornando-se uma mostra de diversidade muito forte naquilo que se propõe ser. The dream is alive.

Reportagem de Tiago Mendes, com contribuições de Daniel Dias, Lucas Brandão e Sara Camilo

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