NOS Alive 2018: uma segunda noite virtuosa (e o que é National é bom)
Ao segundo dia, o NOS Alive apresentou-se um pouco mais sereno, menos caótico, embora nos momentos mais intensos continue a exigir alguma paciência ao seu público. As bandas que preencheram esta noite exploraram os vários espectros do rock – frenético, pesado, alternativo, repetitivo, glamoroso, dinâmico, emotivo. É cada vez mais evidente que é este o género musical de que o Alive é feito, aquele em que mais investe. O público está cá para o ouvir. Aqui deixamos as nossas impressões do dia 13 de Julho no Passeio Marítimo de Algés.
Não é fácil a tarefa de praticamente abrir um palco do Alive. E, para uma banda da dimensão dos Japandroids, também é necessária alguma humildade; mas eles têm-na, e em abundância. Dizem duas ou três vezes ao longo do concerto os seus nomes, de onde vêm, numa fórmula que repetem de concerto para concerto, mas que ainda sim consegue continuar a ser dita com um calor que lhes é muito típico. E fizeram questão de recordar todos os momentos que viveram em Portugal ao longo do último ano – foi a terceira visita ao nosso país, depois do Primavera e do Paredes. A música que nos ofereceram nesta tarde do Alive foi viva e entusiasmada, corre-lhes nas veias e passa para as nossas. Saltitando entre os seus três álbuns de estúdio, os dois amigos deram tudo o que podiam. São animais de palco, e uma das bandas que tours mais longas faz pelo mundo inteiro. Podem continuar a visitar-nos, Japandroids, a qualquer hora do dia em qualquer festival lá estaremos convosco. Este país é também o vosso.
A tarde que se mantinha predominada por um sol que, apesar do vento, se mantinha intenso, foi também intensificada pelo rock californiano dos Black Rebel Motorcycle Club. A banda de São Francisco que se encontra numa digressão baseada no seu álbum lançado em Janeiro deste ano, Wrong Creatures, deu a conhecer as suas novas canções como “Little Thing Gone Wild”, “King of Bones” e “Queston of Faith” bem como as icónicas “Spread Your Love”, “Beat The Devil’s Tattoo” ou ainda “Stop”, canções que lhe conferiram uma identidade de banda no universo do rock alternativo. Ainda que o concerto não fosse muito extenso, é certo que os Black Rebel Motorcycle Club foram competentes em puxar pelo público, estando bastante gratos à hospitalidade e à recepção dos portugueses em geral.
Olhando para o horário, identificamos que no Palco Coreto by Arruada vai acontecer um “secret show”. A curiosidade foi mais forte que nós, e lá demos o salto ao coreto. Quem conhece Mallu Magalhães sabe que é difícil estarmos na sua presença sem que um sorriso parvo se desenhe a todo o comprimento da nossa cara. Foi isso que aconteceu. A cantautora brasileira estava sozinha em palco, com uma guitarra eléctrica, a interpretar temas da sua descontraída discografia. Foram apenas cinco as canções, mas houve tempo para “Sambinha Bom”, “Velha e Louca”, e “Mais Ninguém”. É verdade que Mallu vai voltar a tocar mais logo no Alive, mas a tabela horária coloca-a em conflito com Jack White, pelo que nem toda a gente terá a oportunidade de a ver. Assim, este concerto surpresa soube a consolo, sob o sol do final de tarde, com uma proximidade que potenciou ainda mais a pureza daquele encontro fortuito. Fica a ideia para próximas edições do Alive, e de outros festivais: concertos surpresa funcionam mesmo bem.
Era a vez dos Eels no Palco Sagres. O rock alternativo – mas não assim tão alternativo – da banda americana fez balançar a plateia, com a sua sonoridade descontraída e animada. Coisa, aliás, que o vocalista Everett não se cansava de dizer: “isto está a ser tão divertido”. E realmente estava! Todos de óculos escuros, com brincadeiras coreográficas e diversidade de instrumentos de percussão, os Eels deram um espectáculo que, em dados momentos, parecia quase comedy rock. O momento da apresentação da banda transformou-se numa sessão de stand-up, verdadeiramente fora da caixa, com uma canção nova dedicada ao new guy aos comandos da bateria. Duvidamos que alguma sessão no Palco Comédia nos tivesse inspirado mais vontade de rir. Os momentos mais inspiradores foram as duas baladas, acompanhadas a guitarra acústica: “That Look You Give That Guy”, principalmente, mas também o cover de Brian Wilson “Love and Mercy”. Teria valido a pena nem que fosse só por esses dois rasgos de beleza – mas o restante concerto, diverso e divertido, completou o bonito conjunto.
Sem os The Kooks, que cancelaram o concerto no dia anterior devido a problemas de saúde do vocalista Luke Pritchard, foram os Blossoms que foram chamados a intervir quase em cima da hora. E apesar das circunstâncias estiveram à altura das expectativas. Vindos de Stockport, o indie Rock dos Blossoms conseguiu criar um ambiente de festa e harmonia num público que se mostrava receptível ao reportório da banda. Ainda assim, os Blossoms fizeram questão de exibir os acordes da canção “Naive” dos The Kooks que contagiou toda uma plateia que começava a sentir o efeito resfriado de um sol que perdia intensidade, mas acalorado por uma banda que se mostrou empenhada em criar um ambiente de festa num final de tarde que daria início a uma noite que ainda teria muito para oferecer.
Os Yo La Tengo vieram revolucionar o Palco Sagres. Não ao nível da recepção, contudo – a maioria do público, confusa ou distraída, não passou grande cartão à primeira metade do concerto. Mas estamos em crer que a qualidade da segunda metade terá contribuído para que as pessoas tivessem voltado a centrar o foco na música. É que o que os Yo La Tengo vieram trazer de improvável ao Passeio Marítimo de Algés foi shoegaze, o género musical que nos anos 90 se tornou uma das grandes expressões da vanguarda underground, e que, curiosamente, nesta década tem reencontrado o seu público – provando que há estéticas sonoras que envelhecem melhor que outras. O rock alternativo dos Yo La Tengo apresentou-se sem pretensões (com as mínimas necessárias), despido, forte, como uma parede de som, nascida de melodias repetitivas e ritmos envolventes. E é inspirador ver uma banda com quatro décadas de existência fazer sons que hoje soem tão contemporâneos. O final do concerto trouxe loucura na guitarra, uma relação semiótica entre um humano e um instrumento, num crescendo sem rumo que parecia não mais acabar. E na verdade não acabou mesmo, para nós, porque saímos dali ao fim de uma dezena de minutos, a custo, e em corrida para The National no palco principal. Ao fundo, atrás de nós, ouvíamos dissipar-se o turbilhão da distorção dos Yo La Tengo.
Custa-nos acreditar que o NOS Alive nos vá oferecer um concerto tão intenso e poderoso quanto o dos The National. Com especial enfoque no último álbum – Sleep Well Beast – editado o ano passado, a banda americana presentou a vasta plateia do Palco NOS com uma mostra de virtuosismo ascendente.
“Nobody Else Will Be There” foi logo a primeira; ainda o céu não tinha escurecido completamente. A canção definiu o tom do concerto, que havia de se desenrolar nesse ténue e limbo entre o peso e a leveza. Emoções densas manifestas por meio de acordes abertos (mesmo quando numa escala menor), cheios, pontilhados por notas contínuas que vão reconfigurando a sua identidade conforme a harmonia que as acompanha. O vocalista Matt Berninger declamava com emotividade as palavras daqueles hinos. Entre o público – e não estávamos perto da frente – sentia-se devoção por tudo aquilo. “Guilty Party” foi ridiculamente emocional; “Day I Die” também.
Matt saiu do palco por diversas vezes, indo de encontro ao público. Numa delas realizou mesmo uma incursão para lá das barreiras de segurança, e foi buscar uma cerveja à lateral do recinto, sem deixar de cantar. Noutro momento particularmente bonito, iniciou uma interacção com uma das câmaras telecomandadas da boca do palco, com um resultado poético que não deixou de nos evocar uma imagem algo futurista e distópica. E, embora muitos outros destaques houvesse ainda a fazer, concluímos com o tema final “About Today” que nos deixa sempre de boca aberta. Estamos em crer que a boa música se impõe assim, de rasgo, sem pré-aviso, e sem deixar dúvidas. O concerto terminou e estávamos maravilhados, debaixo de um céu agora totalmente negro.
Queens of the Stone Age não precisam de apresentações, porque já andam neste mundo há mais de 20 anos, e não é por acaso. De forma incrível, são daquelas bandas que todos os membros são a estrela da banda e não vivem na sombra do vocalista. Cada um tem um momento para brilhar porque assim são feitas as músicas. Cada um tem um solo que impressiona o público, principalmente o solo do baterista que nunca perdeu o fôlego, um verdadeiro demónio que só parou passados longos minutos! Todas as pessoas estavam à espera deste grande momento da noite. Ouvi-los é fazer uma viagem pelas paisagens dos EUA. Uma viagem calma ao som de “Make It Wit Chu” ou agressiva no meio de um furacão que acabou com “A Song for the Dead” e que podia ter durado a noite inteira. E no meio dispararam para todos os lados: desde o novo álbum que muitas pessoas à nossa volta conheciam bem como aos clássicos, a alma deles com músicas como “If I Had a Tail” ou “My God Is the Sun”. Entre “obrigado motherfuckers” e um puro rock n’ roll, tivemos uma experiência completa que não desiludiu, um som único que não se iguala a ouvir em casa. É para isto que existem festivais.
Future Islands é uma força da natureza que só acalma quando decide assim fazê-lo. Ficar imparcial ao concerto deles é ficar inexpressivo perante uma torrente de emoções visíveis no suor do artista após uma excelente hora onde o público bateu as palmas ao som do batimento no peito por parte do vocalista e cara da banda, Samuel Herring. Neste concerto, ouviu-se um pouco de tudo e pouco importava se o público conhecia as músicas ou não porque Samuel fazia questão de agarrar a nossa atenção e fazer-nos sofrer com ele enquanto ele gritava, dançava como ninguém e fazia sons com a voz que poucos conseguem. Deu a conhecer um pouco do último álbum, começando logo por uma das músicas mais conhecidas, “Ran”, mas conseguiu dar uma voltinha pelos outros discos, principalmente os singles, onde a banda ganhou uma maior reputação.
Um concerto destes é sempre uma prova de resistência. E a banda fez questão de garantir que todos aguentavam até ao fim conjugando músicas ritmadas cheias de danças exóticas, mas também músicas que nos acalmam e mostram o melhor da voz do vocalista, uma voz que também consegue ser angelical. Assim, este foi um dos concertos da noite numa tenda completamente cheia. No fim, ficamos com a imagem do sorriso na cara de Samuel que compreendeu que o público português é tão crítico quanto carinhoso e certamente foi mais uma vez criada uma relação com a banda que não precisa de palavras, só mais vindas a Portugal.
Reportagem de Tiago Mendes, com contribuições de João Pinho e José Malta.