Nós mesmos nem sabemos bem que realidade somos
Esta crónica faz parte da rubrica ‘És como um pai para mim‘
Nas redes sociais apaixonamo-nos mais pela ideia que temos uns dos outros do que propriamente pelas pessoas. Acontece uma espécie de massajar do ego à luz dos likes, impressões que os nossos scrolls vão deixando em cada janelinha que foi programada para ser lida por algoritmos, ou até através das pesquisas que fazemos. Podemos assim, e de certa forma, viver apaixonados mais pela ideia do que propriamente pelo indivíduo (mas sempre foi assim).
O problema central deste assunto não está nas redes sociais, nunca esteve. O aproveitamento desta “faceta” humana já não é de agora e é também por isso mesmo que nos apaixonamos pelos trabalhos artísticos e por consequência, para alguns, pelos artistas. A dada altura gostamos tanto do trabalho artístico que começamos a defender o artista como se este fosse quase um amigo de infância e passamos a ser vendedores de experiências pessoais, como aquelas pessoas que têm produtos Apple, ou os “influencers” das redes sociais. Talvez tenha começado tudo com Edward Bernays, o pai das relações públicas, e que combinou as ideias de Gustave Le Bon e Wilfred Trotter com as ideias psicológicas de Sigmund Freud, o seu tio.
Isto agora é tudo uma espécie de “Westworld” onde quase sem nos darmos conta estamos inseridos numa realidade criada por nós e ao nosso gosto. Mas, no fim de contas, e verdade seja dita, a experiência que vivemos é de certa forma uma verdade, uma grande bolha de palavras chave e de ideias/hábitos que temos de nós e para nós mesmos. A ficção passou assim a ter um grande peso na nossa realidade pessoal através da internet e das redes sociais. Quantos de nós não estão também constantemente a falar de ficção? Séries, filmes, livros… ou até de notícias (que têm a sua quota-parte de ficção, infelizmente). É como termos uma estante cheia de livros, e parte do que somos morar um bocadinho em cada livro que está nas prateleiras ou vice-versa e uma parte de cada livro que lemos morar em nós. E a ficção é isto: um constante olhar ao espelho e o interior do Homem é um mundo inteiro por descobrir.
Agora, estamos é todos inseridos num mundo onde quase tudo é medido, controlado e possivelmente vendido para gerar “hype” e dinheiro, ou seja, criar novas emoções, mas com/como um produto e gerar lucro.
No fim de contas, e de forma mais ou menos consciente, e uns mais que outros, andamos todos a criar ficções. Mas sempre andámos, nós mesmos nem sabemos bem que realidade somos, mas sentimos quase todos o mesmo. Só muda a intensidade e as circunstâncias.