Nova Batida (dia 1): Floating Points e Jon Hopkins, os maestros da electrónica densa e abrasiva
Acontece este fim-de-semana um dos festivais mais interessantes do panorama nacional – embora, curiosamente, a esmagadora maioria do público presente seja inglês. Pese embora existam outros festivais interessantes de música electrónica a afirmarem-se nos últimos anos, o cartaz da segunda edição do Nova Batida parece subir uns quantos degraus, desde logo a agarrar uma mão cheia de nomes que ilustram algumas das melhores coisas que têm vindo a nascer nesta década dentro deste género musical. Four Tet, Jon Hopkins e Floating Points, logo em primeira linha; mas também Ross from Friends, DJ Seinfield, John Talabot, Daniel Avery, Ben UFO, Jayda G, Haai… Mas para lá da electrónica, o Nova Batida também dá um passo seguro na senda do hip hop, com a presença de Talib Kweli e Octavian, e estende-se ainda por uma amostra de outras paletes, ritmos e cores. É um cartaz que deixa boa impressão em quem o espreita.
Começámos ontem esta aventura na boat party que juntou DJ Seinfeld e Haai no meio do rio Tejo. Numa espécie de cacilheiro reconvertido para acolher este tipo de eventos, os dois DJ’s foram alternando forças num alinhamento de aproximadamente duas horas. O calor não era pouco e a dança não ajudava a refrescar – mas o ambiente foi sempre divertido e descontraído, com o sol a descer lentamente no horizonte.
Já na LX Factory, na sala principal, ainda chegámos a tempo de ouvir o final do concerto de Nubya Garcia. A saxofonista, acompanhada de uma banda aprimorada pelo excelente baterista, tocava com alma. Já tínhamos tido oportunidade de a ouvir no Primavera Sound do Porto deste ano (Nubya diz ter dado cinco concertos em Portugal nos últimos meses). Trata-se de jazz fresco e inspirador, embora as condições de som do concerto não tenham sido as melhores.
O som não melhorou na prestação de Ross From Friends – com o eco do armazém industrial da LX Factory a dispersar um pouco as frequências e a tornar a fruição do concerto mais difícil. Particularmente no caso dos instrumentos tocados ao vivo – a guitarra e o saxofone da banda. Ainda assim, o grupo teve uma prestação inspirada, tendo-se destacado o seu mais recente single “Epiphany” – cuja sequência melódica constituiu terreno fértil para o improviso e variações rítmicas que depois a banda explorou. Foi o primeiro momento que nos arrepiámos na primeira noite do festival – e um dos poucos em que isso veio a acontecer.
Floating Points atrasa-se cerca de quinze minutos, o que terá contribuído para que fosse um dos concertos com maior concentração de público do início ao fim. Mas o artista mereceu essa quantidade de ouvidos. Embora, à semelhança da maioria dos restantes sets, não fossem só ouvidos a marcar presença entre a plateia – muita conversa gritada entre amigos, num ambiente mais parecido com uma festa do que com um concerto. Pena. Mas voltando a Floating Points – o artista de electrónica deu, provavelmente, o concerto mais interessante da noite. Com uma primeira metade mais espacial e experimental, mais parecida com os dois outros concertos dele que tínhamos; e uma segunda metade mais ritmada, sempre com espaço para a quebra e para o inesperado. Uma exploração de som sensível e inspirada, que eleva a expectativa para o lançamento do segundo álbum de estúdio do artista, dentro de um mês. Mais que competente – adjectivo que casará com muitos dos DJ’s a marcar presença no cartaz – Floating Points traz a criação ao vivo aos seus espectáculos, e fá-lo com generosidade humana e musical.
Os músicos que tínhamos ouvido na boat party são programados no festival sensivelmente à mesma hora. Fazemos uma breve incursão ao espaço secundário – o Village Underground – onde Haai passa música debaixo de uma tenda aberta. Está um calor digno de noite tropical, e isso certamente ajuda à festa – várias centenas de pessoas dançam ao ritmo que a DJ convoca a cada instante. À mesma hora, no palco principal, DJ Seinfeld também está ao comando da sua mesa de mistura, e dá um concerto particularmente ritmado: uma hora e meia de ritmos dançáveis, com alguma ambição espacial, mas sem inovar particularmente ao longo de um set tão longo.
Chega a hora do cabeça-de-cartaz. Embora no formato de dj set (quase sempre inferior em termos de expectativa ao formato live, nos concertos de electrónica), Jon Hopkins é sempre um nome que impõe respeito entre o público do género. Os seus trabalhos lançados esta década são duas das mais preciosas pérolas do house contemporâneo. Mas o que ouvimos na LX Factory, embora intenso e abrasivo ao longo de duas horas, soube a pouco. Sim, Hopkins dava a espreitar o interior das suas portas artísticas – mas não as escancarava. Fugia ao tema central dos seus temas, substituindo-os por versões minimalistas e simplificadas. Pegar num acorde e repeti-lo à exaustão é fórmula comum do clubbing, das festas. Mas aqui esperava-se mais: mais melodia, mais harmonia. E não tivemos acesso a esses mundos, que são parte integrante do ex-líbris da arte de Hopkins. Momento do concerto: quando Hopkins faz remix de um remix de Four Tet sobre um tema de Bicep (“Opal”). Lá está – quando se deixa a melodia e a harmonia entrarem sem medo num concerto de electrónica, todos ficamos a ganhar. Ficamos à espera que Hopkins volte a Portugal, com um live slot na manga. A intensidade a abrasão estavam lá – faltaram as chaves para as desbloquear.
Hoje a festa segue com um alinhamento mais diversificado – entre o hip hop de Talib Kweli, a indie pop de Friendly Fires, a electrónica de Daniel Avery e um curioso DJ set de uma das bandas mais celebradas nos últimos tempos pelo público português – os Jungle.