Nova Batida (dia 2): mar de house e um salto à história do hip hop
Segue a festa da electrónica, entre o pavilhão industrial da LX Factory e a pequena tenda aberta do Village Underground. Ao segundo dia do Nova Batida, sentimos que a audiência já não esteve tão barulhenta. O cansaço acumulado também traz estas coisas boas. A energia das pessoas transformou-se mais em dança – e embora continuemos sempre a ouvir conversas altas de fundo durante a música, de certa forma parece que os decibéis dessas interacções desceu uns quantos degraus. O dia do festival ficou infelizmente marcado pelo cancelamento súbito da presença dos cabeças-de-cartaz – os Friendly Fires. Já lá iremos.
Começámos a tarde na actuação de TSHA, e apanhámos parte da famosa golden hour, em que as cores do pôr-do-sol ajudaram a compor o ambiente quente do final de tarde. Isso, e a música tropical da DJ londrina. Um house colorido que deu um bom mote inicial ao movimento. Que bem soube. Samples de piano com toques de madeira envelhecida, vozes dos anos 60 com saudade impregnada, e ritmos e texturas reconfortantes a adornarem todo o arquivo repescado. Em certos momentos com intensidade já forte a moderada. TSHA foi uma boa surpresa que nos deu gosto conhecer.
Seguimos para o palco principal para assistir à prestação de um dos nomes com mais história nesta edição do festival: Talib Kweli, o rapper nova iorquino nascido em 1975, antigo membro dos Black Star (com Mos Def). E com ele trouxe a história do hip hop, num espectáculo que foi angariando público ao longo dos sessenta minutos que esteve em cena. Talib mostrou-se dono de uma personalidade muito afável, elogiou o público (apesar de estarem poucas centenas de pessoas diante de si), e até dirigiu palavras simpáticas ao eclético cartaz do Nova Batida. Mas onde raio estava o hip hop?, perguntava. Para além dele, só Octavian também representa esse género no cartaz deste ano. Talib fez questão de mostrar. Passeou-se por tributos aos A Tribe Called Quest, Wu-Tang Clan, J Dilla, e ao antigo colega Mos Def. Com direito a uns breves saltos a Sister Nancy e ao reaggae, afluentes deste fenómeno da cultura musical que só começou a ganhar mais corpo no final dos anos 70. Foi uma performance inspirada e que encaixou como uma luva na programação.
Íamos continuar no mesmo palco para assistir à actuação dos Friendly Fires, banda de indietronica que o ano passado também passaram por Lisboa no NOS Alive. Só que desta vez, decerto para frustração de alguns, tal reencontro não aconteceu – minutos após a hora marcada para o início do concerto, foi anunciado no ecrã gigante que a banda não iria tocar devido a problemas técnicos. Alguns apupos entre as poucas centenas de pessoas em frente ao palco, mas nada de exagerado – para uns cabeças-de-cartaz do dia, ter-se-ia esperado uma reacção mais revoltada. Parece-nos que o facto de a esmagadora percentagem do público ser britânico, ter o passe geral, e ter vindo mais pela música electrónica de dança do que por outras dimensões mais performativas / de banda (de que os Friendly Fires são dos poucos exemplos no cartaz) terão ditado um certo conformismo do público, que foi muito pouco vocal na sua revolta.
A festa seguia no Village Underground, e para lá nos encaminhámos. Para mais uma surpresa (foi um dia recheado delas, talvez consequência de não conhecermos a fundo algumas destas frentes musicais). Kettama, produtor irlandês, trouxe a sua deep house à noite lisboeta – diante de uma plateia muito considerável, que dançou com intensidade as propostas abrasivas da sua electrónica. Passeando-se no limiar de um som mais inclusivo e acessível, mas sem abdicar de alguns toques de experimentação algo ousados, Kettama não só entreteve como promoveu ideias novas por meio da sua electrónica. Dos momentos mais inesperadamente intensos do festival.
No palco principal, o dj set dos Jungle teve direito a tempo extra (devido ao cancelamento dos Friendly Fires). Josh Lloyd-Watson, um dos membros principais de uma das bandas sensação do público indie da actualidade (recebidos aos ombros em Paredes de Coura o ano passado, e no Super Bock Super Rock deste ano), ocupou o lugar da mesa e misturou duas horas de boa música. As paletas convocadas foram radicalmente diferente da sonoridade explorada pela banda na sua própria música; mas funcionou muito bem. Entre os destaques que mais reacções recolheram da plateia estiveram o sample de “Could Heaven Ever Be Like This”, de Idris Muhammad (que voltou a ser popularizada por Jamie xx recentemente, em “Loud Places”), e o novo tema de Four Tet, “Only Human”, numa espécie de prelúdio da noite final do festival. Temos ainda de destacar um momento que nos tocou particularmente (e temos sempre de agradecer ao Shazam por nos permitir pescar as pérolas mais preciosas destes sets, na hora): “Eleven”, tema de O’Flynn, foi um pequeno paraíso melódico sensivelmente a meio do espectáculo. Público conquistado – um autêntico salão de dança, talvez o mais mexido de todo o festival.
No slot da meia-noite subiu ao palco um dos nomes emergentes da techno, Daniel Avery. Do que ainda vimos do concerto, percebemos que a tonalidade da noite passou a ser pintada a tons mais negros. Música mais séria, densa, intensa e exigente. E a batida seguiu pelas horas seguintes da madrugada, para os resistentes. Hoje a festa termina com a ansiada actuação de Four Tet, mas Ibibio Sound Machine, o rapper Octavian e Ben UFO também vão dar que falar na última noite do festival mais britânico da capital portuguesa.