O 25 de abril no parlamento: culpados à direita e à esquerda
Esta crise global tem ajudado a recuperar a credibilidade da classe política. De alguma maneira, e sempre com exceções, os portugueses têm reconhecido que o esforço conjunto tem resultado em ganhos expressivos no combate à pandemia e à defesa do bem comum. Em Belém, em São Bento, na Assembleia da República e em muitas frentes autárquicas existem políticos que têm sabido estar à altura. É uma boa notícia.
Pena esta polémica com as comemorações do 25 de abril. Porque a propósito de uma coisa que deveria ser pacífica – na verdade, não deveria existir qualquer tipo de polémica – levantou-se uma poeira que, infelizmente, nos obrigou a recordar os velhos tempos da política feita de argumentos comezinhos e que pouco ou nada interessam aos portugueses.
A questão deveria ser simples. Comemorações do 25 de abril no parlamento? Sim ou não? Claro que sim, qual a dúvida no tema? Se o parlamento tem estado aberto, e muito bem, para resolver questões prioritárias, se os deputados têm continuado (com regras específicas) a sentar-se nas suas bancadas, então porque haveria de no dia 25 de abril isso não acontecer? A única dúvida que poderia existir era se o parlamento tivesse fechado, como isso não aconteceu não deveria ter existido assunto.
Mas o que é simples… afinal… deixou de o ser.
A meu ver com vários culpados.
Culpados à direita e à esquerda.
À direita surgiram opiniões que sugeriram uma aversão ao 25 de abril. Que era um desrespeito pelos portugueses, que nos devíamos revoltar, que era uma vergonha. Lá veio o Ventura, mais o novo líder do CDS que parece conhecer as canções de Zeca e Adriano, mas que mostrou a sua indignação e incredulidade por tão estranha iniciativa – porque razão isto não se poderia resolver com uma declaração gravada dos líderes políticos? Logo um abaixo assinado foi preparado, um abaixo assinado com alguns milhares de assinaturas contra a comemoração do 25 de abril no parlamento.
É claro que aquilo que irrita é o bafo reacionário. Mais do que os argumentos é olharmos para algumas daquelas pessoas e percebermos que o 25 de abril para elas não deveria ter acontecido. É o que é.
À esquerda surgiram também análises extremadas e fora de tom. Claro que o 25 de abril se iria festejar no parlamento. E os argumentos foram crescendo de tom: porque a democracia não estava suspensa, porque havia muitos lobos à espreita, porque temos de estar vigilantes.
Eduardo Ferro Rodrigues exagerou em alguns comentários que fez. Assim como outros deputados. E claro… no meio dos abaixo assinados lá apareceu Manuel Alegre elevado a figura guardiã da República. Com a sua voz poderosa (que já não assusta ninguém) gritou contra os perigos.
Vamos lá a ver.
No parlamento vive um deputado que será candidato à Presidência da República nas próximas eleições. Tem irritado muita gente. E muita gente teme que cresça eleitoralmente – o que seria lamentável. Um facho da pior espécie. Existe também um novo partido, Iniciativa Liberal, cujo único deputado tem feito o suficiente para ganhar pontos no futuro (mas que ninguém pode acusar de ser salazarista). E existe um grupo parlamentar deprimido (o do CDS) que tem um líder a quem aparentemente não reconhece competência. Depois existe uma bancada do PSD diminuída em número, mas colaborante com a situação (com um Rui Rio que tem capitalizado e se assume de esquerda… se o é ou não é um outro tema). E uma maioria de esquerda. Nunca na história da nossa democracia a esquerda teve tantos deputados! Nunca houve uma maioria tão ampla de partidos que usam com orgulho, e muito bem, o cravo na lapela.
Havia razão para tanto alarido?
Não, não havia.
Foi um estardalhaço um pouco ridículo. E um pouco infantil.
E um estardalhaço que os aproximou das pessoas que criticavam.
E confesso que me chateia ver Manuel Alegre a elevar a voz como se a sua voz fosse a voz que resta de abril. Não lhe reconheço essa superioridade moral.
Resumindo: claro que sim. Que se faça no parlamento a comemoração que é devida ao 25 de abril. Era só o que faltava se isso não acontecesse.
Mas faça-se sem riscos para a saúde pública e sem riscos para a saúde dos capitães de abril – por todos os motivos.
E não por acaso, foi de Vasco Lourenço, um dos mais destacados heróis da revolução, que veio a declaração mais ponderada. Avisou que não iria estar, por motivos de força maior, mas que um único Capitão de Abril representaria os militares.
Fiquei a perceber, se dúvidas tivesse, que o 25 de abril se fez com coragem, mas também com gente ponderada e que sabia os riscos que corria – única forma de os evitar. A ponderação que muitos democratas (que receberam a liberdade nas mãos) não parecem ter.