O apelo é simples: deixem os investigadores trabalhar

por Catarina Mansilha,    3 Junho, 2025
O apelo é simples: deixem os investigadores trabalhar
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Em tempos onde a ciência revela-se cada vez mais urgente, e o mundo digital e tecnológico estão em constante evolução para responder a problemas sociais, económicos e científicos cada vez mais complexos, é com enorme perplexidade que a comunidade científica nacional reage aos cortes anunciados ao financiamento base dos centros de investigação classificados como “Muito Bom”, em cerca de 70%. São 117 unidades de investigação, que representam 30,5% da comunidade científica nacional com avaliação positiva, onde mais de 6400 investigadores veem os seus projetos interrompidos e penalizados.

Após contas feitas, o novo modelo de financiamento base, reduz em 69% o valor nominal atribuído por investigador integrado nas unidades de investigação e desenvolvimento (UI&D), transformando a realidade de um investigador que entre 2020 e 2024 recebia o equivalente a 3750 euros anuais para atividade de investigação, para um investigador a receber 1157 euros por ano, em 2025. Numa tentativa de compreender os cortes gritantes às verbas atribuídas às UI&D classificadas como “Muito bom”, onde o montante não é suficiente para suportar as despesas científicas mais básicas, resta-me concluir que esta medida não só agrava a precaridade já existente do setor, como dificulta a passagem destas unidades para a classificação de “Excelente”, atrasando toda a cadeia evolutiva da investigação científica em Portugal. Note-se ainda que, o sistema de avaliação das unidades, além de complexo e passível de discussão sobre os critérios utilizados no processo de avaliação, é extremamente desigual na atribuição dos orçamentos financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), uma vez que este mesmo sistema atribui um financiamento quatro vezes superiores às UI&D “Excelente”, em comparação com as UI&D “Muito Bom” (falamos num incremento de 300%). A falta de coerência e transparência no financiamento programático atribuído pela FCT para os próximos 4 anos, período 2025-2029, é evidente.

Um país sem investimento na ciência e na investigação, é um país que não investe no seu talento e é um país que não investe na qualificação da sua economia. É um país onde ideias brilhantes e soluções eficazes, capazes de dar resposta aos problemas e promover o progresso de diversos ecossistemas, não vêm a luz do dia. Ideias que ficam no gabinete, no laboratório, dentro das gavetas e armários, capazes de descomplicar o sistema, promover a economia nacional e facilitar vidas e postos de trabalho.

Entenda-se, face a esta medida de cortes, não há cálculo matemático ou teoria filosófica que convença alguém. Esta é uma experiência, que ainda sem  obtenção de resultados, já deu errado. Esta é uma experiência, cujo procedimento é aleatório, infundamentado e perigoso.

Todos os setores de um país são passíveis de ser alavancas de crescimento, mas este crescimento, não só depende, como é transversal, ao conhecimento que se detém sobre cada matéria, cada atividade, cada função: o conhecimento científico, a ciência. A precaridade de setor é conhecida, mas cortes de 70% são incompreensíveis.

Consideram-se assim quatro observações fundamentais:

  1. O sistema de avaliação que atribui as classificações às UI&D deve ser restruturado, onde os critérios devem ser mais equilibrados e justos, refletindo orçamentos de financiamento base proporcionais aos projetos de investigação e características de cada unidade;
  2. Deve haver um maior investimento na investigação pública, nomeadamente no financiamento de projetos e bolsas de investigação científicas da FCT;
  3. O governo pode e deve desenvolver medidas concretas que estabeleçam uma parceria entre os programas da FCT com empresas públicas ou privadas. Estas medidas garantem a construção de pontes entre a academia e empresas que procuram soluções eficientes, mas carecem de qualificação especializada para a resolução do problema em concreto,  ou tempo para o desenvolvimento da resposta.

É fácil olhar o mundo e identificar as lacunas, a falha no progresso, a falta de técnica e a inexperiência. É relativamente fácil identificar o problema e pedir por soluções. O que não é fácil, é haver quem queira investigar, resolver e solucionar, e não poder. O apelo é simples: deixem os investigadores trabalhar.

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