O caso da Constança Braddell
Eu vi e não reagi. Eu vi com muita atenção, vi de coração aberto, olhei-a nos olhos em todas as fotografias, e não reagi. Muitas pessoas taggaram o meu nome, e eu não partilhei, e não fiz nenhum donativo. A razão pela qual eu perdi um bom pedaço do meu tempo e muitas reflexões para não fazer nada, é a mesma pela qual eu não dou uma esmola a um pobre. Passo a explicar.
A Fibrose Quística é uma doença que me é próxima, porque uma das minhas melhores amigas tem um filho com esta doença, e eu acompanho a via sacra do rapazinho e dos pais desde há 11 anos. Também me lembro que numa das minhas primeiras urgências, recém-licencidado no Hospital de São João, atendi um rapaz da minha idade com Fibrose Quística que me marcou até hoje. Tinha mais quilómetros de hospital do que todos os médicos à sua volta, e perante a aproximação das maldades de colheitas venosas e arteriais, ele apenas esticava o braço como quem nos fazia ver, que era só mais uma vez que ia ser espicaçado, “mais uma num milhão de vezes já não dói” dizia-nos ele com o seu sorriso. Ele sabia que estava condenado à morte e o sorriso dele eram as nossas lágrimas.
A Fibrose Quística é uma doença genética que tem 400 pessoas diagnosticadas em Portugal e que normalmente é diagnosticada na infância pela fragilidade pulmonar que confere, e que leva a um périplo de infecções respiratórias, internamentos consecutivos e a um mundo de medicamentos e cinesioterapia que têm que ser encarados como um regime militar (palavras da minha amiga). São crianças que crescem entre consultas e os corredores dos hospitais a saber que vão morrer cedo, por degradação da sua função pulmonar.
As boas notícias é que a ciência tem evoluído e há um medicamento que tem mostrado resultados incríveis no desacelerar da progressão da doença, fazendo crer que pode aumentar imensamente a qualidade de vida destas crianças que depois são jovens, e que poderá fazer com que entrem bem fundo na idade adulta. Este medicamento chama-se Kaftrio e já está a ser usado em inúmeros países. A má notícia é que é muito caro. Custa uns largos milhares de euros e tem que ser tomado todos os dias para toda a vida. Mas ainda não chegou a Portugal.
Eu não dou uma esmola a um pobre porque ao fazê-lo estou a ajudar-me a mim, mas muito pouco à pobreza. Eu contribuo para associações que ajudam pobres, que têm a matéria estudada e mastigada, e não só ajudam, como desenvolvem estratégias para os fazer sair da pobreza. O dinheiro é o mesmo, a mim sabe-me menos bem, mas o impacto é muito maior, e o mundo fica bem mais bonito assim.
A história da Constança dilacerou-me o coração, e quero muito que ela volte a ser a mulher que era há uns meses. Mas na minha humilde opinião, não é partilhando a história dela, nem fazendo donativos que vamos ajudar a minimizar a tristeza que a sua história representa, até porque o medicamento não está á venda. Nós temos que fazer ver quem manda, que a saúde tem que ser de acesso a todos, que temos que obrigatoriamente proteger os mais vulneráveis enquanto formos fortes, e que as 400 crianças e jovens que sofrem desta terrível doença têm que receber urgentemente este medicamento, pago, não pelos nossos donativos, mas pelos nossos impostos, e pela demonstração colectiva que é esta a nossa vontade.
A Associação Portuguesa de Fibrose Quística criou uma petição há uns meses para que este medicamento chegasse rapidamente aos nossos hospitais, para que todas as lágrimas destas crianças e destes jovens passem a ser sorrisos.
Uns honrosos 50.000 assinaram esta petição, mas se chegarmos a um milhão, muita gente vai fazer perguntas, e os nossos decisores políticos vão ter que dar respostas.
O medicamento existe e há que desbloqueá-lo. Pela Constança e por todos os outros 399 que não tiveram a coragem e a força para se expor. E por uma saúde de acesso gratuito para todos. Tem que ser esta a nossa partilha, e este o nosso donativo.
Todos por todos assine e partilhe. Parabéns pela coragem Constança, e do fundo do meu coração: as melhoras e que a vida te volte a sorrir.