O debate decisivo

por Pedro Saavedra,    11 Janeiro, 2022
O debate decisivo
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Eram quatro da tarde e quase toda a gente parou o que estava a fazer para ir ver o debate. Era o tal que iria decidir tudo. Aos indecisos faltava apenas perceber o que a nova candidata iria responder ao candidato do costume. Tinham sido semanas de acusações e insinuações dele para ela. Ele continuava a lançar novas acusações e ela não respondia a nenhuma. Como candidata estava a não cumprir a sua campanha eleitoral, diziam os seus opositores. Como candidata está só a fazer uma campanha pela positiva, diziam os seus apoiantes. E entre apoio e oposição nasciam cada vez mais curiosos. Mas a mulher não vai responder àquilo? Mas a mulher não tem tomates? Mas a mulher fica-se assim?

A Marta era conhecida no bairro como a neta da Esmeralda. A sua avó Esmeralda tinha passado por tudo ali no bairro. Esmeraldina, Moça, Dona Esmeralda e Ti Esmeralda, não havia quem não a conhecesse e por isso conhecer a Marta era como uma herança de pequenos conhecimentos. Em pequena entrava na mercearia do Silva de mão dada com a avó, como rapariga tinha ajudado muitos dos idosos que, como a avó, quase foram expulsos do bairro, e como candidata tinha-se tornado a Doutora Marta, a nova presidenta do bairro.

Era um bairro pequeno, típico pela forma como as pessoas se tratavam umas às outras. Todos diziam um bom dia seguido de primo ou prima. Bom dia primo! Bom dia prima! Assim todos se sentiam da mesma família. Eram gozados no resto da cidade por este facto. Aos outros habitantes parecia estranho tanta proximidade e assim achavam que aquele bairro tinha de mudar, para melhor, para ser mais moderno, mais atractivo. E era isso que Marta sentia como candidata à Junta de Freguesia, que ali, apesar de se sentir em casa, era o seu bairro diferente dos outros bairros que compunham a freguesia. Mas isso não a demovia, pelo contrário isso só a motivava.

Entrou motivada e sorridente no estúdio de rádio. Era uma rádio local muito ouvida pelos habitantes do bairro. A maioria dos cafés só passava aquela rádio há anos. Era humilde e pequena mas respeitada por isso um debate naquela rádio de bairro interessava ao bairro. Lá dentro cruzou-se com o jornalista que também seria moderador nesse dia. Já estava sentada há alguns minutos quando chegou o candidato conservador que há semanas que a insultava em cartazes e publicações de todo o género. Pediu desculpa por não estar a encontrar lugar para estacionar. É cada vez mais difícil estacionar o carro! Marta não lhe respondeu e o jornalista começou o debate.

A primeira pergunta foi logo para ela. Preocupado, perguntou-lhe o que tinha a dizer a todas as acusações que tinha recebido nos últimos tempos. Ela manteve o sorriso que trazia desde a rua, pediu desculpa, mas iria ler apenas uma declaração e depois disso não teria mais nada a dizer:

Chamo-me Marta e a minha avó Esmeralda está à minha espera para almoçar. Em primeiro lugar gostaria de dizer que não estamos em guerra e que não estamos aqui aqui nem para escolher o campeão do bairro ou o general do nosso exército. Estamos aqui para escolher quem, de entre todos nós, candidatos e eleitores, é o mais acertado para nos representar. Não o melhor de nós mas o que de nós é o melhor. O nosso representante pode ser o nosso líder mas nunca precisa de ser o nosso chefe. Por isso não vos vou dizer quem devem escolher. Não desejo dar-vos ordens nem desejo ser, ou sequer, parecer melhor do que qualquer um de vós. Eu sou apenas a neta da Esmeralda e acho que o que precisamos de fazer é sermos nós próprios. No dia das eleições saiam de casa e escolham. Eu, da minha parte, quero escolher alguém que seja bom a negociar, a moderar e a decidir o melhor possível para todos nós. Dizem que a história esquece os moderados e é exactamente isso que eu quero que esta história me faça. Agora vou para casa fazer o almoço que a minha avó Esmeralda já deve estar a reclamar com o meu atraso.

Entretanto lá fora, à porta da rádio, um carro mal estacionado era rebocado pela polícia municipal.



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