O debate dos pequenos partidos: o esplendor da democracia
No primeiro e, como repetidamente frisado pela moderadora da RTP, único debate entre os 15 partidos não representados na Assembleia da República tivemos, como seria de esperar, mais uma série de belos momentos televisivos para a posterioridade. O que não contávamos, pelo menos os mais incautos como eu, era que tivéssemos um espelho tão claro da sociedade portuguesa e, no fundo, da democracia jovem, frágil e muitas vezes ingénua que lhe dá forma.
Vamos esquecer por momentos que se sentaram, por imposição de uma “aleatória” mas irónica ordem alfabética, Joacine Moreira ao lado de José Pinto Coelho, ou o insuspeito Santana Lopes ao lado de um ainda mais insuspeito, mas sempre bem-vindo, Tino de Rans. Vamos pôr de lado a sensação, transversal a todo o debate, de que a moderadora estava a fazer o papel de uma espécie de professora de teatro do infantário, que tem de organizar a festa de final do ano do bibe azul e ao mesmo tempo garantir que nenhum miúdo arranca a orelha a outro, ou a si próprio, durante o ensaio. Vou dar até de barato a quantidade de vezes em que foi mencionada a Feira do Relógio, não porque em quase uma década de vida na capital ainda não tenha percebido onde raio é a Feira do Relógio, mas porque aparentemente é concorrente ao único debate a 15 da televisão portuguesa a julgar pela quantidade de vezes com que os candidatos remanesceram de arruadas e confrontos aí travados. Já que André Ventura, com um bronze de fazer inveja, se esqueceu que hoje não estava na CMTV a discutir o caso dos e-mails e provavelmente confundiu o líder do PURP e a candidata do MRPP com os comentadores do Porto e do Sporting, insistindo em lhes fazer bullying como se o Benfica tivesse acabado de ganhar o campeonato, era expectável e até quase obrigatório neste tipo de certames.
Na realidade o verdadeiro debate foi uma espécie de caleidoscópio da vida do nosso país. Ao contrário dos monótonos e sempre prováveis debates com os partidos do hemiciclo, em que basicamente vemos um grupo de pessoas de Lisboa a discutir os problemas que vão chegando a Lisboa, a terem ou a inventarem opinião sobre tudo um pouco, como se fossem obrigados a serem os maiores especialistas e virtuosos em todas as matérias, e a medirem cada gesto e cada palavra como se a sua vida dependesse disso. Neste debate tivemos precisamente o contrário. Cada partido, à exceção dos mais generalistas como a Aliança, a IL ou o Livre, tem como que uma espécie de prato principal no seu cardápio. Desde os saudosos monárquicos do PPM aos não menos saudosos marxistas-leninistas-maoistas do MRPP, passamos por todo um espectro de cores e feitios. Temos autarcas da Madeira que nem sequer são candidatos, militantes das causas dos reformados, antigos primeiros-ministros, historiadores de renome, ecologistas convictos e toda uma vastidão de pessoas que se mobilizam todos os dias, que abdicam de tempo, dinheiro e do conforto do ambiente que os rodeia, por uma causa que acreditam ser nobre, por vezes sem saber que estão apenas a entregar toda a sua dedicação e empenho exclusivamente a uma única e não menos nobre causa, a democracia pluralista em que felizmente ainda vivemos.
Podemos dizer as vezes que quisermos que o sistema está podre, velho e cansado mas ainda assim nada se sobrepõe ao orgulho de ver um encontro de 15 improváveis com ideias antagónicas mas com exatamente as mesmas oportunidades e direitos de ali estarem, por inteiro e com o mesmo ponto de partida. A democracia é, ou pelo menos devia ser, isto mesmo. O confronto e a exposição de ideias sem enviesamento, de forma imparcial e, acima de tudo livre e sem tabus. O permitir que o outro exista e se faça ouvir mesmo sabendo que com ele não vamos nunca concordar. O poder de rebater, sem demagogia nem dogmas, as opiniões contrárias. O lutar pelas liberdades individuais dos outros, mesmo quando essas escolhas não nos tocam.
Certamente que uma parte destes ensinamentos pouco ou nada dirá a alguns dos citados 15, mas o facto de estes e outros 15 se poderem reunir no mesmo espaço sem medos nem encenações, faz-me crer que afinal a sociedade não estará assim tão adormecida, tão amorfa e com tanta falta de responsabilidade. É nesta quinzena de políticos em part-time que vemos o esplendor da democracia multipartidária e onde, muito dificilmente, cada um de nós não se revirá.
Texto de André Amado
Aveirense, há 8 anos a viver em Lisboa. Curioso incorrigível, interesso-me por praticamente um pouco de tudo sem ser realmente especialista em nada. Sou formado em economia e trabalho em gestão numa multinacional. Nas horas vagas gosto de cinema, de ler, escrever e fotografar, mesmo que no final não tenha paciência para descarregar as fotos da máquina.