O esquecimento do interior
Por me ter visto “forçado” a trabalhar longe, devido à profissão que exerço, tenho andado nos últimos tempos a descobrir o interior de Portugal. É fácil dizermos que gostamos de viajar para as zonas mais calmas, com paisagens muito bonitas e longe da azáfama urbana, quando passamos uns dias ou, no máximo, uma semana por estas bandas. Tudo é bonito: as paisagens, as montanhas, o verde, a famosa Serra da Estrela, entre outros.
Quando se trata de fazer as malas, abandonar definitivamente o litoral e vir viver para o interior, talvez a opinião mude. Aí, migrar para longe da costa portuguesa já não é assim tão atrativo.
A questão da desertificação do interior é muito falada, mas sem vermos medidas concretas que a combatam. A diferença entre litoral e interior é gritante e devia ser motivo de reflexão. Para assistir a um grande espetáculo, o habitante do interior não tem alternativa que não seja pegar no seu próprio carro, gastar bastante dinheiro em gasolina, quiçá num alojamento caso não queira fazer a viagem de regresso na madrugada, e despender várias horas em viagens. Pode até optar pelos transportes públicos, mas as incertezas e os bilhetes para cada elemento da família não são, de todo, apelativos. Tudo se passa em Lisboa, Porto, por vezes em Braga, Coimbra, Aveiro ou Guimarães. Ter um espetáculo com grandes nomes da cultura portuguesa no interior é motivo de celebração. Não há muitos.
Para ir ao cinema, as próprias capitais de distrito não oferecem um leque alargado de filmes para se ver. Muitos oferecem três, às vezes quatro, e os filmes nem sempre são os melhores que poderiam ter sido selecionados para exibição.
Há tempos, na Guarda, fui ver um artista atuar. Aproveitei para visitar a cidade, que não conhecia. O Museu tinha apenas uns simpáticos funcionários, mas estava sem mais ninguém. Na rua, algumas pessoas circulavam, poucas. Estava frio, havia gelo nas bermas dos passeios. Na Sé, local que deveria ser referência turística da Guarda, conto pelos dedos das mãos as pessoas que por lá circulavam. Caminhando durante mais uns minutos, o cenário mantinha-se: poucas pessoas na rua. O problema, acreditem, não era do frio. É do número de habitantes.
Após jantar num restaurante, onde o empregado de mesa me jurou que ali se comia o melhor bacalhau com natas do mundo, fui então assistir ao concerto, que por acaso tinha lotação perto de esgotada. Deveria ser dos poucos espetáculos com intérpretes conhecidos da nossa praça, o que mobilizou várias pessoas de diferentes zonas. A certa altura, o artista referiu que era um gosto ter vindo ao norte, à Guarda. O público reagiu, dizendo que a Guarda não é do norte, mas o artista desvalorizou. Para ele, a Guarda situa-se no norte de Portugal. Se formos a considerar que Guarda é a norte de Lisboa, então sim, estamos de acordo.
Há pouco tempo, vários elementos do governo, incluindo o primeiro-ministro, vieram ao distrito de Castelo Branco. Vários comentadores políticos, referindo que seria uma manobra para fugir a críticas da altura, desvalorizaram e teceram comentários depreciativos, como que considerando que o interior é irrelevante e o governo deve é ir a cidades a sério, ou então permanecer em Lisboa.
Podem não acreditar, mas se passarmos a fronteira e andarmos uns quilómetros, a cara das pessoas em Espanha não tem nada a ver com os rostos dos portugueses aqui da região, mas não me vou alongar muito, tirem as vossas conclusões.
As elites portuguesas, bem como os sucessivos governos, ignoram o interior. Os círculos eleitorais dos vários distritos representam muito pouco, basta ver os números. A grande concentração encontra-se no litoral, onde há dinheiro, investimento e várias outras coisas atrativas. A população mais afastada está remetida ao constante e prolongado esquecimento. A diferença entre litoral e interior é grande mas, para se entender isso, é preciso viver cá longas jornadas. Não me parece que quem decida esteja disposto a isso. Resta ir vivendo, acreditando que não há portugueses de primeira nem portugueses de segunda.