O fastio do poeta Alberto Pimenta

por Cláudia Lucas Chéu,    2 Outubro, 2024
O fastio do poeta Alberto Pimenta
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A partir de certa idade, apercebemo-nos de que a vida requer luta diária. Também lhe podemos chamar fastio. Uns dias a atirar para o karaté, outros com um cheirinho a luta greco-romana e outros que sabem explicitamente a boxe e a sangue porque não usámos a moldeira. São por vezes coisas simples que nos fazem ganhar esta noção. Não é preciso ter havido uma fatalidade, basta o quotidiano redundante e pálido de prazeres para nos apercebermos da luta. Temos de gingar para manter o interesse mínimo, aquilo que nos faz ao menos tomar um banho e rumar a um trabalho de que se desgosta.

compra um pão come o pão caga o pão
compra um pão come o pão caga o pão

Outras lutas mais nítidas surgem quando algo de inesperado e negativo nos acontece e temos de prosseguir magoados e ofendidos com o sacana do mundo que continuou a sua rota, sem notar a nossa existência. Vicissitudes, dirão os cínicos e os cobardes. Estes normalmente não lutam. Ou nunca lutaram ou já desistiram há muito, hospedando-se na ideia de derrota inevitável que já não requer o gasto de energia.

compra um pão come o pão caga o pão
compra um pão come o pão caga o pão

Em Setembro, há pessoas que ficam mais taciturnas. Outras que rejubilam com uma alegria ternurenta, mas de retardo, apoiadas nas memórias do regresso às aulas. Todos no mesmo ringue. Cada um tenta agarrar-se às armas que lhe dão mais jeito.

compra um cão dá-lhe pão caga o cão
revende o cão compra pão caga o pão

Há uns meses visitei o poeta Alberto Pimenta na instituição onde se encontra. Não o via quase há vinte anos. «Há tanto tempo.» Exclamei sem pensar. Ele repetiu as minhas palavras sem exclamativa. «Há tanto tempo, há tanto tempo.» Avistei-lhe o corpo franzino na cama. Ao fim de uns minutos de conversa, em que cada frase por ele proferida dava honestamente para fazer uma antologia de versos, disse-me em jeito de segredo:

—…

Obviamente que não vos direi o que me disse. Era uma frase como um termómetro, um indicador da sua luta. Perturbou-me aquele verso inédito, espécie de linha até à meta. O Alberto é um esgrimista da palavra e da vida. Conheço poucos poetas que me tenham mostrado através das palavras que a vida é essa luta diária e que essa luta diária é a vida. O Alberto queria arroz de polvo, mas confeccionado no Porto porque, segundo ele, os de Lisboa não prestam.

compra um pão come o pão caga o pão
não compra não come não caga morre [1]


  1. PIMENTA, Alberto,. Os Entes e Contraentes. Coimbra: ed. autor, 1971.

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