O fecho do Cinema Monumental

por Marta Vicente,    6 Janeiro, 2019
O fecho do Cinema Monumental
Fotografia de Medeia Filmes
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Há notícias que custam a digerir. Há notícias que são um abanão e representam uma realidade difícil de encarar. Há outras, ainda, que são inacreditáveis. Ultimamente, a informação que nos chega diariamente tem sido isto tudo junto: é como se o mundo se estivesse a desmoronar aos nossos pés e nós aqui – quietos – sem nada poder (e querer) fazer. Ainda por cima, aqui por Portugal, onde, no meio da algazarra do mundo, ainda temos um Presidente que, a propósito do ano novo, nos relembra da importância da Democracia.

Toda esta introdução para chegar a um assunto que ficou quase esquecido lá para dezembro e que parecerá, num primeiro momento, injustificável perante todo o alarido inicial. Esse tema é o fecho do Cinema Monumental, um espaço que proporcionava, a todos e a todas, acesso à cultura, em primeiro lugar, com valores mais baixos que outros espaços e, em segundo, com conteúdo não disponível nesses mesmos outros espaços. Quero abordar o tema não, apenas, por motivos egoístas, que se prendem com o facto de ser o meu espaço de eleição – e único – para assistir a filmes, mas, sim, para reflectir sobre o que a notícia nos diz sobre o tipo, a qualidade e a quantidade de cultura que consumimos.

Por um lado, diz-nos que o cinema mainstream prevalece e, aliás, aniquila qualquer outro: cinema português nem ouvir falar, europeu só se tolera um ou outro francês, asiático não está na moda (preservemos a nossa cultura ocidental). Na verdade, isto somos nós a reproduzir, nada mais, nada menos, o que as escolas e as faculdades nos incutem: o olhar exclusivo sobre o nosso mundo ocidental. Para além de profundamente aborrecido, é alarmante. Somos nós a fecharmo-nos a um mundo que se nos abre cada vez mais as fronteiras. O fecho do Monumental alerta-nos para isso e relembra-nos da nossa falta de paciência para visitar museus e pegar em livros. Relembra-nos, ainda, do confortável que é estar – quando estamos –numa cadeira almofadada a comer pipocas e a imaginar como será o sonho americano para lá do ecrã. Sublinhe-se que a minha preocupação não é com o cinema de entretenimento: é connosco que consumimos fraca cultura ou não consumimos sequer.

Por outro lado, isto significa que, para além do mercado internacional estar a tomar conta da nossa economia, os turistas estão a tomar conta de Lisboa. Porquê investir no cinema, e na cultura nas suas mais variadas áreas, se a restauração e a hotelaria são mais rentáveis? Repito: somos nós a fecharmos as portas ao resto do mundo, quando este, mais do que nunca, nos bombardeia com informação e meios de a adquirir; somos nós a abstermo-nos de pensar, de criticar, de conhecer. Estando o pensamento crítico na base da construção de qualquer sociedade “saudável”, a forma como tiramos proveito da realidade actual – que é a mesma de quem, com um telemóvel nas mãos, sabe pouco do que se passa no mundo – parece-me profundamente preocupante.

O fecho do Cinema Monumental marca, desta forma, um triste momento na história de Lisboa: representa a “cidade da moda” a envolver-se numa bolha sobre ela própria onde falta a cultura – e como é que se evita o desmoronamento do mundo sem cultura?

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