O grande triunfo de ‘BlacKkKlansman’ é o uso do humor para falar de coisas sérias
Em Maio, e no Festival de Cannes, Spike Lee conquistou o Grande Prémio do Júri quando apresentou ao mundo pela primeira vez o seu explosivo BlacKkKlansman. Agora, em Agosto, sabemos também que o título português do filme tem um acréscimo: BlacKkKlansman – O Infiltrado. Sabe-se lá com que intenção. Mas uma coisa é certa, esta nova obra cinematográfica não é nenhuma sequela de Inside Man (em português O Infiltrado), de 2006, e também ela realizada por Spike Lee.
É ainda à sessão de Cannes que nos remetemos e aos aplausos incontidos na sessão de imprensa que nem sequer esperaram pelos créditos finais. Talvez porque a ficção se aproximava demasiado da realidade, tal como sucedera há quase 30 anos atrás, com Do The Right Thing, também em Cannes.
Foi em 1989 que Spike ficou fulo por ter perdido a Palma de Ouro por A Malta do Bairro, curiosamente com grande parte da mesma equipa que participou neste novo filme. E quem era o Presidente do júri na altura? Wim Wenders! E cuja opção foi para Sexo, Mentiras e Vídeo. Pois é! Foi esse que acabou por ser o filme pré-Rodney King e dos riots de LA em 1992. A História é mesmo macaca. Este ano, foi Wenders que pediu inspiração ao senhor (com Pope Francis: A Man of His Word) para que conseguisse a inspiração para um filme bem sucedido, ao passo que Spike regressou a Cannes com um dos seus melhores filmes de sempre e que arrancou 10 minutos de aplausos na sessão de gala. Ironias.
Em Cannes assistiu-se a Spike Lee de braço dado com Jordan Peele, percebe-se aqui o dedinho dele, a surfar na onda ‘black is beautiful’. E é aqui também que temos a outra enorme surpresa deste BKKK, ou seja, Mr. John David Johnson, o filhote de Denzel, que em boa hora abandonou o futebol (americano) para se dedicar à arte em que o pai é um grande senhor.
Grande parte do triunfo de BlacKkKlansman passa pelo humor que o cineasta colocou para falar de coisas bem sérias (e aqui sente-se de novo a proximidade de Peele), ainda que inspirado na história verídica de um negro que, nos anos 70, se infiltra no KKK e chega à mais alta patente da organização local.
O filme tem inúmeros pontos de interesse, como o discurso inflamado dos Black Panthers, o jogo entre John David Washington, capaz de imitar um Kings English e o jive negro, e o ‘judeu’ Adam Driver, que se converte quase em nazi, para ‘enrolar’ o klansman local David Duke (Topher Grace). Pelo meio, há ainda pesadas referências cinéfilas, com chamadas de atenção para clássicos com conteúdo racista, como a cena de E Tudo o Vento Levou com que o filme abre e, mais adiante, o assinalar do racismo de David Wark Griffith, no majestoso O Nascimento de uma Nação. Ou até a invocar em jeito de brincadeira alguns títulos assumidamente blaxploitation, como Foxy Brown, Shaft, Super Fly, entre outros.
BlacKkKlansman fecha com o perturbador e violento episódio ocorrido ocorrido em Charlotteville, em Agosto do ano passado, pouco depois de terminar a rodagem. Mas que Spike Lee decidiu incluir o momento em que um carro a alta velocidade embate contra manifestantes de uma marcha ultra racista que tirou a vida a uma jovem. Vê-se ainda Donald Trump num comunicado a defender que nesse grupo também havia muito boa gente. Ao fim e ao cabo, apesar da acção se desenrolar nos anos 70, a actualidade mantém-se inegável.
Artigo escrito por Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt