O jogo da indefinição em ‘Entre Ruínas, Entre Gente’
Com interpretações interessantes e cheias de pequenos pormenores, música ao vivo e um belo jogo de luz e espaço, dando-nos algumas imagens muito boas, a peça “Entre Ruínas, Entre Gentes”, interpretada pelo 3º ano do Curso de Teatro e Educação da Escola Superior de Educação de Coimbra e encenada por Pedro Lamas e António Fonseca, caracteriza-se por uma grande indefinição propositada, que talvez peque por ser um pouco além da conta, e sugere-nos um lado pouco brilhante do ser humano.
Logo na entrada, há um divertido entusiasmo infantil nas personagens que nos cumprimentam ruidosamente e nos seguem com curiosidade. Parece até que eles é que vieram para nos ver a nós, público. Depois, param e esperam que algo aconteça. Se nada de especial se passar, a viagem começa: uma divagação entre a atualidade, coisas que passaram e outras que nunca aconteceram. Pegam em objetos e recortes, de jornais, de histórias, de livros e da memória e constroem assim um espetáculo onde as cenas se concretizam sem histórias com princípio, meio e fim. O palco passa a ser um espaço de surpresas, reflexões e espera por algo, no presente. O objetivo? Matar o tempo, o tempo do público. É uma estrutura arriscada que, para quem vê, se pode tornar desafiante ou confuso, consoante as pessoas que assistem e a energia, emoção e dinâmica que os atores, neste caso seis raparigas e um rapaz, conseguem dar ao espetáculo.
O cenário, com aparência de abandono e ruína, os figurinos sujos e de aspeto velho e escuro e as personagens caracterizadas com pormenores que nos fazem lembrar os índios, sugerem que nos encontramos num espaço de guerra, numa selva ou num edifício devoluto que já não interessa a ninguém (ou os três em simultâneo), com gente que também foi abandonada por si mesma ou pelos outros. Se são crianças ou adultos, não sabemos ao certo mas vemos que os gestos de afeto e compaixão são escassos, e que o que podiam ser brincadeiras e conversas alegres acabam quase sempre por ser um jogo de poder com alguma maldade. É como se aqueles personagens já não tenham ou nunca tenham tido outra realidade senão aquela, miserável e violenta.
Estreada no passado dia 26 e produzida em colaboração com a companhia conimbricense Teatrão, a peça ficará em cena até dia 4 de Fevereiro na Oficina Municipal de Teatro, em Coimbra e, apesar de longe de ser perfeita, tem grande qualidade técnica e bons trabalhos de ator que a fazem valer e nos mostram, por várias vezes, o teatro no seu estado mais puro de jogo e provocação.
Fotografias de: Carlos Gomes