O legado dos Teixeira Lopes na escultura portuguesa

por Lucas Brandão,    24 Dezembro, 2017
O legado dos Teixeira Lopes na escultura portuguesa
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José Joaquim Teixeira Lopes e António Teixeira Lopes são nomes de referência na arte de esculpir, tanto no que toca a figuras geométricas e conceptualmente envolventes, como em bustos faciais. Ambos aprenderam com mestres franceses, após viajar pelo país gaulês, chegando a Portugal com uma nova bagagem formativa. Esta linhagem familiar com tradição e trabalho em escultura, não se limitou, porém, a seguir as pisadas dos seus ascendentes, mas, e em especial António, quis extrapolar esse caminho em relação à industrialização da produção, onde se destacou José Joaquim e, por conseguinte, firmar-se no plano da criação artística.

José Joaquim Teixeira Lopes nasceu na freguesia de São Mamede de Ribatua, no concelho transmontano de Alijó, no dia 24 de fevereiro de 1837. Filho de um ferreiro e pouco abastado proprietário rural daquela zona, não conheceu uma educação artística, embora a vocação fosse notória. Com os meios que tinha, fazia, com cascas de pinheiros, e a partir de uma faca de cozinha, pequenas figuras de cariz religioso, surpreendendo os seus pais. O seu progenitor acabou, contudo, por lhe fazer a vontade, e aceitar o seu ingresso na oficina do mestre Manuel de Fonseca Pinto, na cidade do Porto. Aos 13 anos, sentia-se capaz, como aprendiz deste, de enveredar em vários trabalhos escultórios, em especial na decoração de embarcações nos estaleiros de Vila Nova de Gaia, e familiarizou-se com uma variedade de matérias-primas para a modelação de figuras e de estátuas. Aqui, viria a ser aprendiz de um outro mestre, de seu nome Emídio Amatucci. Pouco tempo depois, voltou à terra que o viu nascer, casando com Raquel Meireles. Deste matrimónio, surgiriam pelo menos onze filhos, dos quais poucos sobreviveram, entre eles o futuro escultor António Teixeira Lopes. Três anos depois, sentiu a vontade de conhecer uma ocupação profissional mais condizente com o seu potencial artístico, e migrou com a família para o Porto, vivendo na Praça da Alegria, mas passando, pouco depois, a viver do outro lado do rio, onde chegara a estar e a trabalhar com Fonseca Pinto.

Neste período, tornar-se-ia aluno na Academia Portuense de Belas Artes, sendo aluno e aprendiz dos mestres João Correia e Francisco José Resende. Tratou-se de uma fase em que o escultor, ao estudar de dia, tinha de sustentar a família durante a noite, criando imagens que a sua esposa vendia nas feiras de Gaia e de Matosinhos. Durante os seus estudos, criou uma série de contactos com bases portuenses, que o incentivaram a propor os seus trabalhos para a sua aplicação pela cidade do Porto. Assim, no ano de 1862, e depois de conquistar uma medalha numa exposição com um busto em gesso, a sua proposta de estátua de D. Pedro V venceria um concurso promovido pela organização “Os Artistas Portuenses”, que seria apresentada na Praça da Batalha, e viabilizada pela Câmara Municipal do Porto. Nesta fase, conheceu António Almeida da Costa, um dos seus parceiros mais leais, que o viria a convidar para trabalhar na Fábrica Cerâmica das Devesas. Porém, a sua carreira autónoma não ficaria por aqui, pois tornou-se bolseiro para aperfeiçoamento do estudo de escultura, e, em 1864, viajou para Paris, onde se fixou durante dois anos.

Em França, recebeu formação de François Jouffroy na École Impériale de Beaux-Arts, travando conhecimento com o formato telha Marselha. Aqui, desenvolveu as peças escultóricas “A União faz a Força”, que seria exposto no Ateneu Comercial do Porto, e na exposição trienal da Academia Portuense de Belas Artes, em 1866. Dois anos depois, regressou de um lugar onde só regressaria nas Exposições Universais de 1889-90, passando a centrar-se na produção cerâmica dentro de portas. Após trabalhar com Francisco Correia Breda, não se contentou com o trabalho de vidraria que fazia, e juntou-se a Almeida da Costa, tornando-se sócio na Cerâmica das Devesas. Para prolongar a sua vocação artística, fundou a sua própria escola de desenho e modelação, que, apesar do seu ensino decorrer durante a noite, viria a formar as bases para a constituição da Escola Industrial Passos Manuel. Entretanto, seria nomeado para Cavaleiro da Ordem de Cristo.

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“Alminhas da Ponte” (1897), baixo-relevo de José Joaquim Teixeira Lopes, na Ribeira da cidade do Porto

Desta forma, articulou este trabalho profissional com algumas esculturas que vinha fazendo desde cedo. Ressalvam-se, no seu repertório, “Baptismo de Cristo” (situado na Sé Catedral do Porto), “Alminhas da Ponte” (de homenagem às vítimas da tragédia da Ponte das Barcas, situando-se nos arcos da Ribeira portuense), “Conde de Ferreira” (no Hospital Conde de Ferreira), “Nossa Senhora do Rosário” (estatueta na Igreja de Cedofeita), bustos em mármore para o Hospital da Santa Casa da Misericórdia, e “A Caridade” (grupo composto em mármore, e que se apresenta no Cemitério do Prado do Repouso); para além de uma variedade de estátuas alegóricas, de peças em cerâmica, e de azulejos pintados, firmando-se como uma das figuras do Romantismo nas artes plásticas. Não se esqueceria, pelo meio, das suas origens, formando várias esculturas para a região de onde havia partido, para além das aldeias em sua órbita.

Por sua vez, António Teixeira Lopes nasceu a 27 de outubro de 1866, em Vila Nova de Gaia, no seio dessa família natural de Alijó, Vila Real. Filho de José Joaquim Teixeira Lopes, pai do arquiteto José Teixeira Lopes, cresceu a vê-lo desenvolver vários trabalhos pessoais e profissionais, para além da grande residência onde habitou a família. O seu progenitor, que também se notabilizava pelo trabalho em cerâmica, tornou-o íntimo da Fábrica Cerâmica das Devesas, que se situava perto de sua casa, e onde viria a trabalhar com o seu filho. A sua aprendizagem iniciou-se, assim, na oficina pessoal do seu pai, tornando-se conhecido, no meio, por Teixeira Lopes Filho. A paixão tornou-se consolidada numa visita a uma exposição coletiva do Centro Artístico Portuense, localizado à data no Palácio de Cristal. Privando contacto com a escultura “Flor Agreste”, do seu futuro professor Soares dos Reis, tinha a plena certeza de que era de traduzir almas para a matéria que seria feita a sua vida.

Em 1882, com 16 anos, inscreveu-se na Academia Portuense de Belas Artes, onde pôde privar e aprender com os mestres Soares dos Reis, e Marques de Oliveira. Licenciando-se com uma classificação de 17 valores, candidatar-se-ia a pensionato em Paris, embora tenha perdido a mesma. Porém, não baixou os braços e, ao lado do seu amigo pintor José de Brito, e do seu pai, viajou para Paris. Assim, entrou na École des Beaux-Arts, desenvolvendo trabalhos que lhe permitiu conquistar vários prémios da especialidade (incluindo num concurso da prática de ronde-bosse [esculturas de vulto]) e honras de louvor vindas de figuras, como do professor de anatomia Mathias Duval, após se desencantar com as aulas que teve na escola de Artes Decorativas de lá. Foi um lugar em que recebeu lições do artista Paul Berthet, e onde contactou pessoalmente com obras dos conceituados nomes de Auguste Rodin, Alexandre Falguière, e do seu compatriota José Barrias, tendo incorporado estas influências no seu corpo criativo, para além das do renascentista italiano Donatello, e dos demais florentinos cultivadores do lirismo e da abordagem cuidada da figura humana. Praticando a modelação figurativa, fez uso da sua subtil e vigorosa técnica, para além da plasticidade artística que lhe era caraterística, para interpretar a dor, a graciosidade, e a beleza feminina e infantil como poucos. Na própria expressão corporal, apostou em incutir-lhes toda a carga emocional, e em harmonizá-la através da geometria e da formatação cuidada e lírica.

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“A Viúva” (1893), de António Teixeira Lopes, no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, em Lisboa

As honras do seu trabalho não findariam por aí, e voltou a ser premiado em vários Salons da especialidade, com trabalhos como “Retrato de Criança” (1887), “Comungante e Caim” (1889, presente no Museu Nacional Soares dos Reis, e dominado pelo dramatismo corporal e facial), “A Viúva” (1890, no Museu do Chiado), “A Criança Napolitana” (1891), e os bustos “Condessa de Valenças” e “Madame Michon” (ambas de 1892). A representação em bronze de “A Viúva” valer-lhe-ia uma medalha de ouro em Berlim, tendo trabalhado, também, com barro e mármore, e cimentando as suas temáticas históricas e religiosas. Não descuraria o naturalismo nas suas figuras, batendo à porta do Romantismo e estando íntimo com as premissas classicistas e academistas, numa miscelânea de estilos. O seu vínculo com Portugal não se havia perdido, porém, tendo exposto individualmente (1891), e com o pintor Veloso Salgado (1892), no Palácio da Bolsa, no Porto. Se a sua obra se tornava internacionalmente afamada, dentro de portas, o reconhecimento iluminava-se com o trabalho influente e cosmopolita deste escultor de proa, conquistando, também, a cidade de Lisboa pelo caminho. Teixeira Lopes viria, em 1893, a casar-se por um só dia com Adelaide Fontes, por incompatibilidades, e voltando a frutificar no amor com Aurora, a sua modelo de preferência.

Às portas do século XX, contemplou-o com mais obras de destaque, tais como o monumento fúnebre do historiador e antropólogo Oliveira Martins (“A História”, no Cemitério dos Prazeres), conotado membro da Geração de 70. Para além dessa, desenvolveu mais uma série de homenagens a personalidades, tais como ao horticultor José Marques Loureiro (no Porto, no Jardim da Cordoaria, acompanhado pela alegoria “Flora”), e ao autor Eça de Queiroz (em Lisboa, no Largo Barão de Quintela). Foi uma fase em que conheceu um dos principais prémios da arte escultória de então, tendo, em 1900, ganho um Grand Prix na Exposition Universelle de Paris, para além de lhe ser atribuída a condecoração de Chevalier de la Légion d’Honneur. Este prémio foi conquistado à conta de alguns dos seus principais trabalhos, tais como “Santo Isidoro” (agora na igreja deste santo, em Marco de Canaveses), “A Dor”, e “Raquel”, que o levou a ser considerado como o sucessor da sua referência Soares dos Reis. Teixeira Lopes seria condecorado, pouco depois, com a grã-cruz de Sant’Iago da Espada.

O sucesso que alcançou tornou-o íntimo da família real, aproximando-se do regente D. Carlos I, do irmão deste D. Afonso, e da duquesa de Palmela, que lhe solicitou uma escultura da “Rainha Santa” D. Isabel (1895), a ser disposta no mosteiro conimbricense de Santa Clara-a-Nova. Esse ímpeto levou-o, também, a dar forma à Nossa Senhora de Fátima (Hospital de Fátima). Um ano depois, tornar-se-ia professor onde havia estudado, no Porto, e, lá, lecionou durante 35 anos (fora o período da I Guerra Mundial), jubilando nesse ano. Foi um período em que viu o seu trabalho ser exportado pelo mundo, principalmente no Brasil, com as suas portas de bronze aplicadas na Igreja da Nossa Senhora da Candelária, no Rio de Janeiro; e no monumento que possui as ossadas do militar revolucionário Bento Gonçalves, no Rio Grande. Porém, nem tudo seriam rosas na sua carreira, pois perdeu o concurso para o monumento do Infante D. Henrique, acabando por sucumbir aos pés do seu rival Tomás Costa. Pelo meio, viu José Joaquim Teixeira Lopes perder a vida, a 16 de março de 1918, aos 81 anos, falecendo na cidade de Vila Nova de Gaia. Para além das esculturas das figuras ilustres que havia feito até então, erigiu homenagens ao seu mestre Soares dos Reis (em Gaia), para além de maquetes dos autores Antero de Quental e Camilo Castelo Branco; e bustos do político Teófilo Braga (na Câmara de Lisboa, feito de bronze, e no seu atelier, em Gaia, em mármore), e do autor Ramalho Ortigão (Museu Nacional Soares dos Reis).

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“Baco” (1916), de António Teixeira Lopes, na Praça da República, do Porto.

António Teixeira Lopes viria a falecer a 21 de junho de 1942, aos 76 anos, em São Mamede de Ribatua, onde tudo havia começado. Grande parte da sua obra permanece no seu antigo atelier, na Rua do Marquês de Sá da Bandeira, em Vila Nova de Gaia, sendo agora a Casa-Museu Teixeira Lopes. Esse atelier tinha sido criado em conjunto com o seu irmão, José, em 1895, e tornou-se na residência de muitas obras de muitos artistas nacionais. O seu legado tornou-se permanente, incumbindo-se de legar, ainda em vida, a sua residência ao Município de Vila Nova de Gaia, para além de grande parte do seu recheio, tendo a outra parte ficado sob a tutela dos seus familiares. Também doou quantias avultadas aos seus caseiros e serviçais e a famílias pobres de Mafamude, onde vivia, e de São Mamede de Ribatua, onde os seus parentes cresceram; e de premiar, anualmente, o melhor aluno de escultura da Academia de Belas Artes do Porto.

A família de escultores Teixeira Lopes tornou-se, assim, uma das mais notabilizadas no contexto artístico nacional. O pai, um ceramista de enorme criatividade, para além de um formador ímpar, e de fundar as sementes para a formação da “Escola de Gaia”. O filho, por sua vez, uma referência internacional no trabalho escultório, arrecadando uma série de honras artísticas dentro e fora de portas. Em comum, um talento invulgar e caraterístico dos ares franceses, partilhando bases e engenhos, e que se prolongou até ao filho do arquiteto José, que foi professor e diretor da Casa-Museu. A sua influência não se fixou e se limitou nos dois lados do Rio Douro, dando ao país uma série de figuras construídas a partir de materiais vários e de emoções profundas.

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