O MEL e a progressiva irrelevância da direita portuguesa

por Adriana Cardoso,    24 Maio, 2021
O MEL e a progressiva irrelevância da direita portuguesa
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Imagine-se um votante de centro-direita. Numa terça e quarta-feira, enquanto está a trabalhar oito horas para auferir um salário que não permite que 33% da população portuguesa deixe de ser pobre, os senadores dos partidos e vultos de direita estão a ter uma convenção. Abre a mesma, ao tentar informar-se sobre os projetos e ideais do seu lado do espectro político, e verifica que está a ocorrer um painel sobre a “convergência das direitas e ao centro”, e verifica que no dia seguinte há outro sobre “a ditadura do politicamente correto”. Finalmente, as respostas para os problemas do português comum.

Nesta convenção cheia de pessoas com responsabilidades, políticas e de outros sectores da sociedade, seria interessante a ponderação do porquê de necessitarem de “federar as direitas”, da razão pela qual o PS engoliu o centro político, e porque é que o eleitor comum se afastou dos partidos de direita. “Federar as direitas”, que não é mais do que a tese de pedinchar de uma forma proto-erótica o integrar do Chega numa solução governativa, é hilariante porque não se percebe à volta de quê, ou de que ideal, essa federação ocorrerá. 

O PSD de Rui Rio pergunta porque é que o eleitorado de centro-direita não enterra Pedro Passos Coelho, quando a resposta é óbvia. Não o enterra porque o PSD de Rui Rio é tão fraco que o vulto de políticas económicas de austeridade no rescaldo de uma crise económica são mais apelativas do que a governação do Dr. Rio. O PS oferece a expansão infinita da função pública, — o manter de um Portugal de cidadãos de primeira e segunda, com ADSE, menos horas de trabalho e residências universitárias para os filhos de uns, em detrimento de outros —, e Rui Rio oferece absolutamente nada. 

O CDS está refém de um líder que não é nada mais do que a teologia do Manuel Monteiro embrulhada numa capa de 32 anos e com um pin do Colégio Militar. Tirando importunar estruturas locais, e perder tempo com as minudências da vida de jota, os grandes planos do Forbes Under 30 passam pelo “patriotismo económico”, copiar propostas da Iniciativa Liberal sobre o retomar do desporto, defender a exclusividade de deputados no exercer da sua função política, e opor-se a qualquer avanço social, sem apresentar uma proposta alternativa. 

A tese de que o que a direita precisa é de um líder forte está mais do que tudo incompleta. A direita precisa sobretudo de ideias. Os grandes consensos à direita nos últimos anos têm sido para impedir adolescentes de ter aulas de cidadania, travar a despenalização da eutanásia e defender uns arbustos com simbologia colonial. Coisas das quais, mais uma vez, o português comum se alimenta e veste. Os resultados trágicos da direita democrática devem-se à progressiva elitização da mesma, feita de um conjunto de pessoas influentes que pretendem combater o “socialismo”, repastados nos seus sofás e escritórios com ar condicionado, sem chegarem a um consenso de como de facto o fazer.

E está aqui o cerne do porquê de incluir o Chega numa embrionária solução governativa. Esse embrião só germina porque não é feito em torno de planos para o país, dado que se há coisa que o Chega não tem é ideias. No seu programa político plagiado, defendia-se acabar com a escola pública e entregar imóveis públicos a consórcios privados para os gerirem como escolas, criar uma Polícia Nacional e a progressiva nulificação do IRS. Se a direita tivesse algum tipo de intelectualidade e estratégia, comparava notas e entendia que são absolutamente antagónicas. 

Durante os mandatos do PS terminaram-se os contratos de associação sem que fosse acautelada uma oferta de rede escolar pública capaz de colmatar todos estes fechos, o investimento público foi inferior ao do governo Passos, não há uma verdadeira estratégia de descentralização, — quanto mais regionalização —, depois de se comprovar que PPPs de saúde são mais eficientes do que os próprios hospitais públicos ainda estão milhares de pessoas em listas de espera, e o tecido empresarial português permanece afogado em impostos e burocracia. Também podemos analisar o facto de existirem estudantes portugueses com o triste fado de lhes ter sido prometido um computador para que, num ano completamente online, tivessem o mínimo de condições de aprendizagem, e esse bem essencial nunca ter chegado. Entretanto vamos ter acesso a fundos europeus sem que estas grandes problemáticas estejam devidamente contempladas no seu uso. 

Quando um governo de esquerda permitiu que crianças em 2º e 3º ano de escolaridade não tenham aprendido a ler, porque têm o azar de ter pais com baixa escolaridade e uma escola pública sem fundos que fechou nos dois anos letivos passados, consegue passar incólume politicamente, a direita falhou em tudo aquilo a que se propunha. 

Quando o eleitorado ouve o líder da oposição numa conferência de imprensa, — ou no MEL —, a balbuciar irritadíssimo sobre as minudências da magistratura dos tribunais, e nem uma palavra sobre uma medida económica que tenha impacto real na classe média, o PSD como partido reformista falhou em tudo aquilo que são os valores da sua génese. 

Quando o distinto prodígio da revista dos marcantes líderes mundiais gasta o seu dia ao telemóvel com a sua Jota, e a puxar a ferros coligações autárquicas com o CHEGA; em vez de questionar porque estão escolas profissionais e politécnicos a fechar no interior do país, o CDS como o segundo partido português que mais jovens angariava já colapsou.

Assim o votante desliga o computador, e retoma a sua vida diária, para mais tarde ouvir exatamente as mesmas pessoas que frequentam os mencionados painéis a questionarem-se, com grande sobranceria, como é que se vota à esquerda neste país, e como é que o “socialismo” ainda não foi derrotado.

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