O mundo surrealista dos pósteres de cinema checoslovacos

por Bernardo Crastes,    1 Junho, 2018
O mundo surrealista dos pósteres de cinema checoslovacos
PUB

Entre as Primeira e Segunda Guerras Mundiais, uma cena artística fulgurante despontava na aglutinação conhecida como Checoslováquia. Seguindo a tendência de outros países europeus, capas de livros, layouts e criações tipográficas assumiram-se como verdadeiramente avant-garde, dado que os designers se adaptavam à sociedade cada vez mais cambiante. O Poetismo e o Construtivismo estiveram em vigor nos anos 20 e 30, mas as situações política e económica deteriorantes levaram ao surgimento de realidades mais negras e voltadas para o subconsciente. A percepção do público, que se tornava mais abrangente, facilitou o surgimento do Surrealismo como uma linguagem artística aplicada a elementos mais práticos – como as capas de livros, panfletos, etc.

Por volta dos anos 60 e 70, a estética surrealista foi fortemente aplicada a pósteres de filmes um pouco por toda a Europa de Leste. Quer os filmes originários desses países, quer aqueles vindos do maior produtor de cinema da altura – os Estados Unidos da América -, sofriam uma tradução livre e abstracta, à mercê do artista que desenhava o póster. O mais curioso – como descrito no livro Translating Hollywood: The World of Movie Posters, de Sam Sarowitz – é que os designers raramente viam os filmes para os quais criavam a imagética. Cada país tinha a sua versão do póster, o que resultava numa grande diversidade de promoção dos filmes, adequada a cada território. Nos EUA, a técnica para aliciar o público era escarrapachar a cara dos actores famosos no póster; na Europa de Leste, onde os actores não eram reconhecidos pelo grosso do público, a abordagem teria de passar por um chamariz mais visual.

As produções mais exemplificativas vêm da Polónia e da então Checoslováquia (que este artigo aborda), em que os designers usavam colagens, tipos de letra inusitados e com colocações que usavam o espaço de forma curiosa, ilustrações coloridas, fundos monocromáticos e representações humanas intrigantes. Os resultados são peças de arte por si só; uma colecção de imagens vívidas e marcantes. Quando unidos à temática do filme, alguns pósteres ganhavam ainda uma especial pertinência, elevando o seu conteúdo. No entanto, por vezes, o facto dos seus autores não terem visto os filmes – ou simplesmente terem feito uma interpretação demasiado livre – dava resultados completamente desajustados da realidade do filme. Veja-se este exemplo, do autor checo Petr Poš, para o incontornável Ghostbusters, de 1984:

É possível entender o intuito do póster, ainda que o tom do filme acabe por não coadunar com o mesmo. De qualquer forma, este é um bom exemplo da qualidade ilustrativa dos artistas checoslovacos. Uma das tradições era pegar em elementos do filme e dar-lhes um lugar de destaque, por vezes obsessivamente representados ou com uma importância exagerada, criando uma imagem penetrante que ia beber a fontes como a fotografia de moda, o cinema francês ou o design gráfico checoslovaco, referido no início do artigo. Muitas vezes, o póster dizia tanto do filme como do seu autor, não destoando do próprio portefólio artístico deste último.

Por exemplo, Olga Poláčková-Vyleťalová – artista que inspirou este artigo através do seu belo póster para o filme checo Útěky domů, parcialmente representado na fotografia de destaque -, evoca algum lirismo na sua série de obras focadas em bustos femininos, com colagens surreais, posições rigorosas e, acima de tudo, um foco no cabelo da personagem (levado ao extremo no lindíssimo póster de A Gentle Creature, presente na galeria no final do artigo e um dos trabalhos mais reconhecidos desta vaga). Há um certo fio condutor ao passar os olhos pelo trabalho da artista, algo que transcende o facto de cada póster ter sido criado para filmes diferentes, criando uma colecção passível de ser exposta em galeria.

Para concluir o artigo, seleccionámos alguns exemplos representativos da imagética checoslovaca de pósteres de cinema nos anos 60 e 70, que apresentamos numa galeria já de seguida, com trabalhos da já referida Olga Poláčková-Vyleťalová, Jan Cihla, Stanislav Duda, Zdeněk Ziegler, Jaroslav Fišer e até um artista anónimo, cujo nome se terá perdido nas malhas da História. Se quiseres ver mais trabalhos, aconselhamos-te a consultar as páginas citadas como fonte no final do artigo.

Fontes: Dissertação de mestrado “100 anos de design no cartaz de cinema português: 1912 – 2012”, de Igor Ramos; MUBI, Posteritati, Terry Posters e Très Bohèmes.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados