‘O Ornitólogo’: Um regalo para os olhos e para a alma

por Bernardo Crastes,    19 Outubro, 2016
‘O Ornitólogo’: Um regalo para os olhos e para a alma
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João Pedro Rodrigues deu umas pequenas palavras ao público antes da antestreia portuguesa de ‘O Ornitólogo’, o seu mais recente filme. Nada de mais, apenas os agradecimentos que havia a fazer. O filme falaria por si, como toda a gente na sala veria logo a seguir.

O filme abre com um segmento relativamente longo que parece algo saído do National Geographic. Apenas um homem, Fernando (Paul Hamy), a andar de kayak e a observar pássaros. É um segmento imersivo, que nos transporta para as paisagens do Norte de Portugal, através de imagens lindas e sons evocativos. Não se arrasta o suficiente para ser aborrecido e serve como uma boa introdução a um filme que acompanha o percurso de um ornitólogo.

Mas o filme é bem mais do que a observação de pássaros. Após ser levado por correntes fortes, Fernando perde-se pelo meio das florestas que rodeiam o Douro. As personagens com que se cruza e acontecimentos a que se submete, tudo do mais caricato que pode haver, levam-no à exploração da temática principal do filme, a recriação do mito de Santo António.

Por esse motivo, o filme é povoado de referências e imagética cristãs, progressivamente menos subtis. Passamos por imagens que se assemelham a cenas religiosas (Fernando coberto com o seu saco-cama parece um santo); a roupagem e poses assumidas pela personagem principal, uma das quais eternizadas no excelente cartaz; Jesus e as suas chagas; a pomba branca representando o Espírito Santo; culminando então no bem conhecido sermão aos peixes, de um outro famoso homónimo do padroeiro de Lisboa: o Padre António Vieira.

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No entanto, mais do que a componente religiosa, o filme é sobretudo autobiográfico. Paul Hamy apenas dá o corpo e gestualidade à personagem que é claramente uma extrapolação do realizador. Ornitólogo era a profissão com que João Pedro Rodrigues sonhava quando era mais jovem. A poetização deste desejo é feita através da visão dos pássaros, que vêem o realizador, e não o actor que até então acompanhamos nesta demanda.

Hamy, actor francês, teve aulas de português para conseguir articular as palavras, mas a sua voz foi dobrada por João Pedro Rodrigues. Aliás, nesse facto reside o defeito mais gritante do filme, que é alguma falta de naturalismo nos diálogos e pequenas incoerências na dobragem. No entanto, ultrapassando essas falhas técnicas, conseguimos compreender que João Pedro deixou o seu coração e alma neste filme. Percebemos agora a falta de um preâmbulo no discurso inicial. Não era necessário.

O filme inclui elementos reconhecíveis de obras suas anteriores, como a inclusão de personagens chinesas, cenas homoeróticas, componentes fetichistas, entre outros. Através da exploração destas temáticas, Fernando vai encontrando o seu caminho aos poucos. A certa altura, compreendemos que a sua motivação já não é sair da floresta e voltar para casa, mas seguir o caminho que lhe estava destinado, apesar do sofrimento que isso lhe possa causar. Já não sabemos se delira, se o que vemos é verdade, mas a atmosfera misteriosa, empolgante e até assustadora, não nos permite descolar os olhos do ecrã, principalmente nas sequências oníricas.

Uma obra profundamente pessoal, susceptível de sofrer diversas interpretações e que requer um segundo (ou terceiro) visionamento, nem que seja para admirar os planos incríveis com que somos presenteados, pela mão do director de fotografia Rui Poças, mas principalmente para descortinar todo o significado que borbulha nesta obra.

João Pedro Rodrigues traz-nos um regalo para a mente e para a alma. É isto ‘O Ornitólogo’.

Cartaz "O Ornitólogo"

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