O papel da tradução no sucesso internacional da série “Rabo de Peixe”
A série portuguesa “Rabo de Peixe”, que estreou na plataforma de streaming Netflix no passado dia 26 de maio, tem feito sucesso fora de Portugal, chegando ao top de séries mais vistas em países como Espanha, Luxemburgo, Bahamas, Croácia, Chipre, Grécia, Itália, Jamaica, Quénia, Malta, Polónia, Suíça, Trindade e Tobago e Uruguai. Muitas serão as razões que levaram a isto, desde a narrativa envolvente à realidade portuguesa que cativa lá fora. Mas há um fator sem a qual a série não teria sucesso fora de Portugal: a sua tradução.
Embora o português seja das línguas mais faladas no mundo, dificilmente teria sucesso em países em que a língua oficial não é o português. Aliás, até no Brasil a série foi dobrada para a variante do país, além de existir a tradução das legendas. Até para os nossos vizinhos espanhóis foi necessário legendar e dobrar a série para que ela chegasse aos tops do país, apesar da proximidade entre as duas línguas.
“Além dos atores, guionistas e demais envolvidos na criação da série, é necessário reconhecer também o trabalho do tradutor das legendas para inglês, Rodrigo Vaz.”
Mas não foi apenas em português do Brasil e em espanhol, tanto europeu como da América Latina, que a série foi dobrada. Na plataforma da Netflix encontramos também o áudio dobrado em inglês, italiano e polaco. Curiosamente, estas línguas correspondem a alguns dos países onde a série chegou aos tops. Ou seja, o sucesso da série poderá não ser por as pessoas pensarem que a língua portuguesa, ou o português de Portugal neste caso, é bonita de se ouvir, por muito que o seja.
A chave que permite o sucesso da série noutros países é, na verdade, o inglês. São poucos os tradutores que traduzem de português para polaco, croata ou grego e menos ainda aqueles que dominam a tradução de audiovisuais e estão qualificados para trabalhar na legendagem e dobragem de filmes, séries e documentários. Assim, a solução será utilizar uma língua intermediária, ou pivô, termo utilizado em Estudos da Tradução, que, na maioria dos casos, é o inglês. Assim, além dos atores, guionistas e demais envolvidos na criação da série, é necessário reconhecer também o trabalho do tradutor das legendas para inglês, Rodrigo Vaz.
Este processo de tradução não é novidade. Desde os anos 90 que são utilizados os chamados templates, ficheiros de legendas temporizados que contém a transcrição do original ou a tradução para uma língua intermediária. A utilização de templates tem vantagens, como permitir que uma série como “Rabo de Peixe” seja traduzida para mais idiomas do que seria possível sem a tradução para inglês a servir de ligação. Contudo, há também desvantagens, como o distanciamento entre a língua de chegada e a língua do áudio original. É importante também mencionar que a utilização de templates permitiu às empresas de tradução de audiovisuais cortar custos pois, em vez de terem de pagar por uma tradução com pares de línguas mais raros, como português para polaco, podem pagar por um par mais comum, como português para inglês.
“Graças à globalização, cada vez mais obras audiovisuais não faladas em inglês ganham notoriedade mundial. Um exemplo claro disto foi a atribuição do Óscar de Melhor Filme a “Parasitas”, realizado por Bong Joon-ho e inteiramente falado em coreano.”
O inverso também acontece. É através de templates que nos chegam séries internacionais de sucesso, como “Squid Game” e “Dark”, nas grandes plataformas de streaming. Já nos canais de televisão portugueses, nomeadamente na RTP, onde há uma grande aposta em conteúdos oriundos de países que não apenas os Estados Unidos e o Reino Unido, a tradução por via do inglês acontece, regra geral, apenas com as chamadas línguas exóticas, como o japonês ou o hindi. Quando a língua de origem é o espanhol, o italiano, o francês ou o alemão, a tradução é feita diretamente pelos cada vez menos tradutores que dominam estas línguas.
Por muito mérito que um filme ou série tenha, é apenas através da sua tradução que pode ir além das fronteiras da sua língua original. Graças à globalização, cada vez mais obras audiovisuais não faladas em inglês ganham notoriedade mundial. Um exemplo claro disto foi a atribuição do Óscar de Melhor Filme a “Parasitas”, realizado por Bong Joon-ho e inteiramente falado em coreano, em 2020, e, mais recentemente, em 2022, a “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”, realizado por Daniel Kwan e Daniel Scheinert e falado em inglês, mandarim e cantonês. E, a quem orgulhosamente diz apenas ver filmes e séries sem legendas ou com legendas em inglês, no caso de obras americanas ou britânicas, aqui ficam as palavras de Bong Joon-ho ao discursar nos Globos de Ouro de 2020: “Quando ultrapassarem a barreira de 2,5 cm das legendas, irão conhecer muitos mais filmes incríveis.”