O perfil político e social do investidor George Soros
George Soros é um dos mais conhecidos bilionários do mundo, assim como um dos investidores financeiros com mais sucesso no último século. É presença assídua no World Economic Forum, em Davos, que reúne as figuras mais relevantes da sociedade, da política e das finanças, com a finalidade de melhorar o progresso do mundo. Com uma riqueza estimada que ultrapassa os cinco mil milhões de dólares, fundou, em abril de 1993, a sua Open Society Foundations, onde destinou uma fatia significativa da sua riqueza para o apoio à sociedade civil, a instituições, associações ou grupos com a finalidade de melhorar a justiça, a educação, a saúde pública e a independência dos órgãos de comunicação social. Soros, nascido na Hungria, cresceu e sobreviveu no nazismo que assolava o seu território natal. Cedo foi para Londres, onde estudou na sua School of Economics, tendo-se licenciado e, pouco tempo depois, concluído um mestrado em filosofia. Depois de uma carreira profícua em bancos, nomeadamente na gestão de carteiras de fundos, ele próprio tornou-se um investidor e foi o responsável pela quarta-feira negra no Reino Unido, no ano de 1992, após especular a desvalorização da libra. Apesar deste perfil financeiro, Soros sempre se pautou por ideais liberais de progressistas, fazendo da sua atividade filantrópica uma permanente da sua carreira, tendo contribuído para a queda do comunismo na Europa do Leste e para outros fenómenos políticos que marcaram as mais recentes décadas.
O conceito de reflexividade e outras perspetivas sobre os mercados
Muito do pensamento (e da ação) de George Soros bebe de um conceito em que muito investiu e sobre o qual tem propriedade na matéria: o conceito de reflexividade. Este termo refere-se à subjetividade dos indivíduos que protagonizam qualquer transação comercial no mercado económico, sendo que é uma variável capaz de alterar aquilo que, à letra, seria previsível. São diferentes os princípios que entram em ação perante a realidade do mercado, podendo ele estar a crescer ou a descer, distanciando-se do desejável estado de equilíbrio. Assim, aquilo que é assumido como o funcionamento convencional dos preços não é o único critério para a operacionalização dos mercados, sendo que as tendências enviesadas dos investidores se tornam proeminentes. Estas podem ser de tal forma propagadas que tornam as condições de investimento cada vez mais instáveis, conduzindo a um cenário de desequilíbrio dinâmico (a sua antítese é a ideia de desequilíbrio estático, dependente de questões mais previsíveis e quantificáveis), distanciando-se do quase-equilíbrio.
Soros fala do seu sucesso como investidor como fruto de uma leitura capaz e bem conseguida destas questões, das tendências que dominam as tomadas de decisão dos especuladores. Porém, fala da reflexividade como algo intermitente, somente verificável quando se reúne um grupo de condições orientados por questões não-estáticas, como as probabilidades. A própria atuação dos investidores ajuda a que as condições de mercados e as valorizações a si subjacentes influenciem o normal funcionamento desses mercados. Um exemplo prático da reflexividade é o contexto do mercado imobiliário, em que, na década de 1990, houve mais créditos à habitação em maior quantidade monetária, que permitiu aos particulares comprarem casas e, com isso, por tendência, aumentar o preço dessas residências. Os credores começaram a perceber que, fazendo ainda mais empréstimos, beneficiavam com os valores em crescendo das casas.
Em determinadas circunstâncias, os mercados financeiros podem afectar os assim chamados fundamentos que supostamente deveriam reflectir. Quando isso acontece, os mercados entram num estado de desequilíbrio dinâmico e comportam-se de forma bastante diferente do que seria considerado normal pela teoria dos mercados eficientes. Essas sequências de ascensão e queda não surgem muito frequentemente, mas quando o fazem, podem ser muito perturbadoras, exactamente porque afectam os fundamentos da economia.Discurso no MIT Department of Economics, World Economy Laboratory Conference, 1994
Nos Estados Unidos, esta ideia foi incorporada nas suas políticas públicas. O governo federal passou a conceder esses empréstimos, assim como outros tantos em outros países, assumindo a compra de casas como positivas e dando os empréstimos, maioritariamente, a compradores da sua primeira casa, para além de dar benefícios fiscais a quem adquirisse imóveis. Desta forma, tornou-se cada vez maior a movimentação neste mercado imobiliário, levando a preços mais altos, mas também a condições de empréstimo menos exigentes. Neste caso, perceciona-se uma transformação daquilo que se entende como o equilíbrio no mercado, tendo em conta a transformação da oferta e da procura por via das variáveis conduzidas pela reflexividade. No entanto, Soros alertou para a tendência de implosão ou de explosão destes mercados, cavalgados numa dinâmica sem grande controlo e de propensão especulativa.
O investidor aplicou este seu conceito à política, relacionando-o com a teoria da sociedade aberta, do filósofo Karl Popper, que considera o seu mentor, tanto que viria a criar a sua Open Society Foundations (antes Open Society Institute), em 1984, com esse nome, usando-a como forma de apoiar a sociedade civil por todo o mundo. Considerou que, para a sociedade aberta visada por este, a maior ameaça atual é o fundamentalismo dos mercados, mais dogmático e menos sensível às questões do progresso e da justiça social, abrindo espaço para mais desigualdades.
A substituição de valores monetários por todos os outros está a empurrar a sociedade em direcção a um perigoso desequilíbrio.“The Crisis of Global Capitalism” (1998)
As críticas visadas aos mercados por Soros pensam, de igual modo, a incapacidade de conseguirem promover o desenvolvimento económico sustentado de muitos dos países em vias de desenvolvimento. Aliás, considera até a própria postura internacional, tanto económica como social, cultural e militar, dos Estados Unidos é um fenómeno reflexivo, que se torna uma tendência a seguir por muitos outros países, assim como no seu interior, ao ponto de se tornarem insustentáveis. O investidor faria, pouco antes da crise económica de 2008, a previsão de que se vinha formando uma bolha especulativa e que estaria prestes a colapsar, levando à desintegração do sistema financeiro. Viria a abordar a possibilidade de uma nova crise tendo em conta a crescente influência económica e financeira da China, tendo em conta o estado do yuan, a sua moeda, e dos seus mercados.
Segue-se alguma da bibliografia mais relevante de George Soros sobre este temas económicos e sociais:
- “The Alchemy of Finance” (1987);
- “The Crisis of Global Capitalism: Open Society Endangered” (1998);
- “Open Society Reforming Global Capitalism Considered” (2000);
- “Bubble of American Supremacy” (2003);
- “The New Paradigm of Financial Markets: The Credit Crisis of 2008 and What It Means” (2008)
As posições políticas de George Soros
O investidor colheu, desde cedo, posições controversas ao alcance político e social, em muito inusitadas para os habituais milionários de Wall Street. Sobre Israel, e embora não se opondo a um estado sionista, destinado aos judeus, muitas críticas teceu ao regime atual, que considerou racista e anti-democrático. Para dar expressão ao seu descontentamento, procurou fundar diferentes organizações não-governamentais de apoio ao país, de forma a abrir espaço a uma maior pluralidade da conduta governamental do país. Criticou, também, as próprias “vítimas de violência antissemita” como responsáveis pelo comportamento violento e bélico em relação aos palestinianos, apoiando a solução dos dois estados, tanto o de Israel como o palestiniano. A postura oficial do governo de Israel é, precisamente, a de denúncia da sua interferência na conduta de um governo democraticamente eleito a partir do apoio a organizações destinadas a impedir que o próprio governo se defenda, a si e ao estado judaico.
Nos Estados Unidos, Soros sempre se empenhou em derrubar George W. Bush da presidência, tendo investidos vários milhões de dólares em organizações de apoio ao Partido Democrata (explicação mais detalhada abaixo). Sempre viu a “Guerra contra o Terror” como algo contraprodutivo e capaz, de igual modo, de suscitar o efeito reflexivo por outras potências geopolíticas. Como já referido, o investidor nunca se contentou com o facto de, conforme achava, que os Estados Unidos ditavam a agenda do mundo e essa agenda era errada, munida de propósitos bélicos e de supremacia moral e comercial. Em relação a Donald Trump, acusou-o de contraditório naquilo que defendia, assim como receio pelos mercados quanto à guerra comercial que se antevia com a China.
Em relação à Europa, e perante o cenário da crise económica, aproveitou para defender uma maior coesão económica e administrativa da União Europeia, com uma política fiscal conjunta e com um erário também conjunto, perante o risco do aparecimento de movimentos e, por conseguinte, de políticas nacionalistas. Foi crítico da precária resposta aos refugiados, em especial por parte da Hungria, país onde nasceu, com quem entrou em choque (mais detalhe abaixo). Para esta situação, idealizou uma espécie de Plano Marshall a ser desenhado e desenvolvido pela União Europeia, destinada aos países africanos de onde são oriundos os refugiados, com vista à promoção da educação e do emprego. Apresentou-se como crítico do Brexit, que considerou destinado ao falhanço, e investiu mais de 300 mil libras em organizações europeístas sediadas em Inglaterra; e mostrou preocupações com os desafios do populismo, da austeridade e das políticas públicas, diagnosticando uma “crise existencial” a toda a Europa. A própria moeda única continua, a seu ver, a carecer da resolução de vários problemas, a serem respondidos de forma integrada e com uma vasta gama de potenciais soluções.
Perante a emergência da China como nova potência económica mundial, Soros levantou preocupações quanto ao egocentrismo da sua atividade e do seu crescimento produtivo e lucrativo, apontando as novas responsabilidades do país enquanto força económica. Porém, assinalou que o seu funcionamento governamental se supera ao dos Estados Unidos, que se junta ao maior vigor económico que a China já apresenta a mais que este país. Defendia, assim, um protocolo estratégico entre os dois, evitando calamidades militares. Mais recentemente, criticou o regime autoritário da China, considerando o seu presidente, Xi Jinping, o oponente mais perigoso das sociedades abertas. Soros mostrou o seu receio por este estado rico, robusto e tecnologicamente bastante avançado, capaz de montar um sistema completo de supervisão em massa a partir do Sistema de Crédito Social, controlando a privacidade dos seus cidadãos. Alertou, assim, os Estados Unidos para impedir o domínio da China no mercado das tecnologias 5G (a partir das marcas Huawei e ZTE), já que isso se tornaria num risco de segurança tremendo para todo o mundo.
Similar às críticas voltadas para a China, Soros fê-las em relação à Rússia, temendo os seus laivos autoritários, especialmente em relação à Ucrânia. Procurou alertar a União Europeia para impor sanções comerciais em relação ao estado russo, assim como para apoiar a Ucrânia, já que Vladimir Putin, presidente russo, procurava impor a desordem e o colapso político e financeiro ucraniano. A Open Society Foundations seria mesmo banida da Rússia, apelidada de “ameaça em relação às fundações do sistema constitucional da Federação Russa e da segurança do seu Estado”. Para além disso, denunciaram a sua atividade como “formadora de uma perceção perversa da sua história e de diretivas ideológicas alheias à do Estado russo”.
O envolvimento político e social
Em especial neste século XXI, George Soros desenvolveu profundamente uma rotina filantrópica e politicamente “engajada”. Assim, e apesar de ter começado na Europa do Leste a exprimir essa sua vertente, o investidor fez várias doações em campanhas políticas nos Estados Unidos, país onde passou a residir e onde desenvolveu a sua atividade com maior expressão. Assim, entre 2003 e 2004 doou uma quantia acima de 23 mil milhões de dólares a diferentes grupos responsáveis pela seleção e nomeação de candidatos, tendo em vista o fim da presidência de George W. Bush, com a qual não se revia após as constantes turbulências bélicas no Médio Oriente. Depois de ser reeleito, Soros procurou não abdicar da sua presença e continuou a apoiar grupos que defendiam causas associadas ao progresso social e económico, como o grupo Democracy Alliance, que também apoiava uma infraestrutura política mais capaz e mais acessível às camadas sociais mais fragilizadas.
A filantropia de Soros também se verificou após doar mais de 35 milhões de dólares destinados às crianças carenciadas do estado de Nova Iorque, a partir de cartões de benefícios dados aos pais, sendo que cada um continha um montante de 200 dólares. De igual modo, foi um dos doadores inaugurais do Center for American Progress, destinado a contribuir com uma visão mais liberal em relação a questões sociais e económicas prementes. Em 2012, apoiaria a reeleição do presidente Barack Obama, contribuindo com um milhão de dólares, tendo também doado, em 2013, e até 2016, quase dez milhões para a futura campanha de Hillary Clinton.
Soros desenvolveu, de igual modo, uma presença muito assídua em causas europeias, nomeadamente da Europa do Leste. Apoiou de forma assídua movimentos de libertação dos países que estavam constrangidos com o regime comunista de influência soviética, nomeadamente o Solidarnosc, na Polónia, e o Charta 77, na Checoslováquia. De igual modo, esteve do lado de Andrei Sakharov, físico nuclear que apoiava profundas reformas civis no seu país, na então União Soviética, e era visado pelo próprio regime por essa posição contrária aos seus ideais. Como premissa desta sua atuação, Soros dizia-se defensor de sociedades livres e abertas. Como tal, acabou por fundar o seu primeiro Open Society Institute na Hungria, país onde nasceu, contando com um orçamento de 3 milhões de dólares para salvaguardar os direitos civis dos seus cidadãos e a democratização do seu Estado. Seria o primeiro passo para Soros criar a sua Open Society Foundations com o mesmo tipo de finalidade, embora direcionado para uma escala mais mundial.
Soros procurou ter um papel proativo nos país que tinham saído da orla de influência soviética após a queda desta, em 1991. Com a sua capacidade de investimento, apoiou a democratização e o desenvolvimento progressivo destes países, assim como das suas comunidades científicas, possibilitando que o seu potencial investigativo fosse totalmente exponenciado. Na Geórgia, o investidor foi visto quase como um paladino da sua democratização e do subsequente desenvolvimento social e económico, apoiando com uma fundação sua lá situada, composta por cinquenta profissionais e por um orçamento de 2,5 milhões de dólares. Este modelo de fundações que Soros veio a institucionalizar tornou-se um modelo para outras organizações não-governamentais, embora sofresse fortes revezes em países ainda mais a leste, como no Cazaquistão e no Turquemenistão. De igual modo, na Rússia, a sua atividade acabou por ser obstada após a proibição das ONGs receberem dinheiro proveniente do estrangeiro. Já na Bielorrússia, viu-se forçado a fechar a sua fundação, após uma multa avultada, na casa dos 3 milhões de dólares, após cometer várias violações cambiais.
Soros continuou a contribuir, no contexto da crise económica de 2008, não só com as missões concertadas através das suas fundações, mas também com injeções de dinheiro em diferentes organizações não-governamentais e em grupos de voluntários da Europa Central e do Leste. Este apoio seria bastante criticado na Hungria, já que, após Viktor Orban assumir o poder no país pela segunda vez, no ano de 2010, passou a ser mesmo considerado um “inimigo do Estado”, dado o seu envolvimento na também premente crise dos refugiados. A troca de críticas entre Orban e Soros tornou-se prolongada e constante, sendo o investidor uma figura muito trazida à baila por parte da oposição, quando pretende manifestar-se contra o regime húngaro vigente. Em 2018, os seus escritórios, que se situavam na capital, Budapeste, seriam transferidos para Berlim, dado o ambiente repressivo sentido no país.
Outra das críticas visadas ao apoio económico e logístico provido por Soros é de ser dirigido para muitas organizações ligadas à esquerda política. Foram vários os senadores americanos a demonstrar essa preocupação, assim como lóbis associados ao Partido Conservador, em especial referentes à questão da Macedónia do Norte, sendo que a sua preocupação se manifestava em relação à desestabilização que Soros visava provocar neste país. Em resposta, Soros e a sua fundação vieram a público retratar-se e afirmar que o seu apoio visava a reconciliação entre as diferentes minorias étnicas que se tinham fragmentado após a desintegração da Jugoslávia, em 1992. Porém, internamente, também se sentiu o desconforto da presença do investidor no país, criando, à imagem da Hungria, uma iniciativa para suster a sua influência. De igual modo, havia sido um apoiante da independência do Kosovo, do Chipre do Norte, da Somalilândia e do Frente Polisário, na região do Saara, prestando apoio ao grupo Independent Diplomat, cuja finalidade é o de fomentar uma presença diplomática e democrática representativa dos interesses independentistas.