“O Perfume”: influenciou Kurt Cobain e os Moonspell e é um livro cheio de detalhes maravilhosos e sombrios

por José Moreira,    18 Setembro, 2022
“O Perfume”: influenciou Kurt Cobain e os Moonspell e é um livro cheio de detalhes maravilhosos e sombrios
“O Perfume”, de Patrick Süskind (capa do livro)
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Este artigo pode conter spoilers.

Por vezes chegamos aos livros que lemos de formas curiosas (ou, por vezes, chegam até nós). Neste caso, o interesse foi espoletado pelo facto de “O Perfume” do autor alemão Patrick Süskind ser o livro de eleição de um dos meus músicos preferidos: Kurt Cobain. O vocalista e guitarrista dos Nirvana confessou em entrevista que tinha uma relação obsessiva com o livro, tendo lido a história mais de dez vezes nas suas tours pelo mundo. Consta que trazia sempre uma cópia consigo. Para além das influências estéticas da obra na sua visão artística, esta relação íntima culminou na composição da música “Scentless Apprentice” do álbum “In Utero”, imortalizando assim o seu livro predilecto na sua própria arte. No tópico da sua influência e entre diversos outros artistas inspirados pela história, encontramos os portugueses Moonspell que incluíram um excerto do livro na música “Herr Spiegelmann”. 

Esta obra de culto explora o sentido do olfacto de forma original e complexa. A história do personagem principal Jean-Baptiste Grenouille, leva-nos numa viagem sensorial interessante, atribulada e assustadora. Grande parte da história decorre no Século XVIII em Paris, onde o órfão Jean-Baptiste leva uma existência quase de pária, sendo posto de lado por ser uma criança de estranhos hábitos e origens. Paralelamente, existe uma curiosidade fulcral ao desenvolvimento da narrativa: o personagem apesar de possuir um olfacto extremamente apurado, não possui odor próprio. Este factor alimenta a sua senda para descobrir todos os cheiros que conseguir. Jean-Baptiste desenvolveu desde cedo a capacidade de identificar odores distintos e de os catalogar na sua mente, descodificando complexas combinações de aromas consegue até encontrar objectos e pessoas à distância. A sua capacidade de apreender odores leva-o a tentar absorver de tudo, sendo que os que o começam realmente a cativar e a despertar obsessões doentias, são os cheiros de jovens raparigas. Fica gradualmente obcecado com a ambição de extrair e conservar as fragrâncias particulares das suas vítimas, capturando o efeito que despertam em quem as sente.  

“Ficou tão petrificada de medo ao avistá-lo, que ele dispôs de muito tempo para lhe colocar as mãos à volta do pescoço. Ela não tentou gritar, não se mexeu, não esboçou qualquer movimento para se defender. Ele, por seu lado, não via este rosto de feições delicadas, sardento, a boca vermelha, os olhos grandes de um verde luminoso, porque mantinha os olhos cuidadosamente fechados enquanto a estrangulava, e a sua única preocupação residia em não perder a mínima parcela do seu perfume.”

“O Perfume”, de Patrick Süskind

Dada a sua condição social e económica, muito cedo se viu empregado por Grimal como curtidor de peles, ocupação pouco ou nada agradável para alguém com a sua capacidade olfactiva única. As suas habilidades sensoriais são finalmente reconhecidas pelo perfumista Giuseppe Baldini que o acolhe como aprendiz (“comprando-o” a Grimal, para quem trabalhava desde os 8 anos). Baldini explora para seu lucro e fama a capacidade inata que Grenouille possui: identificar os ingredientes da concorrência. Utilizando os métodos que aprende nesta sua incursão como aprendiz de perfumista, a sua fixação após a passagem pela loja de Baldini consiste em criar perfumes que o ajudem a manipular a percepção que as pessoas desenvolvem em relação a si. 

“Devorara tudo, absolutamente tudo, e absorvia tudo. E na cozinha olfactiva sintetizante da sua fantasia, onde unia  incessantemente novas combinações de odores, também não prevalecia qualquer princípio estético. Tratava-se de bizarrias que ele criava para logo em seguida as desmontar, como qualquer criança que brinca com os cubos, de uma forma inventiva e destrutiva e aparentemente sem um princípio criativo.”

“O Perfume”, de Patrick Süskind

Manipulando gradualmente a sua integração na sociedade através dos perfumes, confronta-se com as diversas dinâmicas complexas da interacção humana, até aí desconhecidas para ele. A sua aventura culmina num evento inesperado, mas sem dúvida excepcionalmente catártico e idealizado de forma poeticamente sinistra. Este final poderá surpreender ou mesmo chocar o leitor. Diria que ocorre uma espécie de auto-absolvição de Jean-Baptiste perante a humanidade à qual nunca sentiu pertencer. 

É de destacar que Süskind captura de forma exímia a estética da época através da sua narrativa cheia de detalhes maravilhosos e sombrios que tornam a experiência de leitura bastante imersiva. Os detalhes mais macabros podem não ser do agrado de toda a gente, mas não são de todo gratuitos e complementam perfeitamente essa estética que o autor delineou. Durante a narrativa é bastante fácil intuir o porquê desta obra ser lida e relida há décadas um pouco por todo o mundo. Atestando a sua popularidade intergeracional junto dos leitores nacionais, “O Perfume” foi reeditado em português inúmeras vezes desde a sua primeira publicação em 1986. Foi adaptado ao cinema em 2007 por Tom Tykwer com o filme “Perfume – A história de um assassino”, a Netflix tem também disponível uma série alemã, de 2018, intitulada “Parfum”, e que é baseada na obra de Patrick Süskind.

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