O poder das palavras em ‘The Far Field’, dos Future Islands

por Sara Miguel Dias,    12 Abril, 2017
O poder das palavras em ‘The Far Field’, dos Future Islands
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Ainda que tendo lançado o seu primeiro full lenght em 2008, é no segundo, In Evening Air, que os Future Islands começam a criar o som que, nos dias que correm, é impossível dissociar da banda: através da articulação baixo-teclas, conseguiram produzir um ambiente de expectativa, com músicas como Long Flight, Swept Inside ou Vireo’s Eye.

On The Water seguiu precisamente a mesma receita que o antecessor; e em Singles, de 2014, já com um som e uma base de fãs bem constituída, a banda excedeu-se: quer na arte de criar melodias, quer na de escrever músicas. E esta caracterização sónica – que lhes é própria – é possível de ser feita sem sequer mencionarmos o poder, a rouquidão e a paixão da voz de Sam Herring. Singles foi um game changer em todos os aspetos. Ainda que os temas de perda e dor estivessem presentes nos álbuns anteriores, nesse álbum o ritmo permitiu transmitir ao ouvinte uma coerência que até então não estivera presente. Foi isso que fez de Seasons (Waiting For You) um dos melhores temas dos últimos anos. E isto tudo sem sequer referir a absurdamente elevada qualidade das suas atuações ao vivo.

Posso dizer que ver o concerto de Future Islands no MUSICBOX foi das melhores experiências musicais da minha vida. Nunca antes havia visto alguém sentir tanto cada palavra entoada como Sam Herring nessa noite – tudo isto potenciado pelo reduzido tamanho da sala, que conferiu o intimismo requerido para tão prodigiosa atuação. O olhar com que se fixava no público, os gritos, e a expressão emotiva. Memórias que espero voltarem a repetir-se agora que The Far Field foi lançado.

Ora, com esta fasquia tão elevada, a banda manteve o som característico (talvez até “regredindo” um pouco face ao que atingira em Singles); mas este é um álbum em que Herring se eleva mais uma vez, desta feita pela sua escrita. The Far Field é extraordinariamente sentimental, refletindo acerca da felicidade do passado, da angústia do presente e das perspetivas para o futuro.

O primeiro tema, Aladdin, é um dos melhores do álbum. Iniciando com um crescendo e desvanecendo-se por entre violinos, é um jogo de palavras entre o que foi e o que é, a extinção progressiva do amor: Herring passa de relatar “Is this real?” para “Was it real? / When we held our hands close to flame / Just to feel”, fortificando-o no fim da música com “Love is real / Our love was real”. Com a mesma mensagem (“On these roads / Out of love, so it goes / How it feels when we fall, when we fold”), Ran, adquire uma certa epicidade ansiosa e nostálgica, pelos acelerados e repetitivos hi-hats da percussão, tendo sido uma boa escolha para single do álbum.

Em Cave, a desolação de Herring ouve-se em cada verso. O desespero e falta de esperança são contagiantes, e culminam em Through The Roses, com uma quase nota de despedida da vida, pela falta de rumo que esta toma (“It’s not easy, just being human / And the lights and the smoke and the screens / Don’t make it better / I’m no stronger than you and I’m scared / I don’t know what to do / I’m scared / That I can’t pull through”). É importante enfatizar o modo como a sua voz é uma ferramenta fundamental para garantir a consistência e qualidade de um álbum com este tipo de abordagem, em que as palavras são o foco, e o sentimento vocal é o veículo para as alcançar.

North Star vê o álbum mudar de tom: há agora esperança, uma segunda oportunidade – “You gave me second chance and hopes to run to / I couldn’t bare to spend—another day without you / Cuz I’ve gotta catch you / Freezing rain can’t keep me away, from you / I’ve gotta find you”. A luz tem agora espaço, como se verifica nas músicas que se seguem, como Ancient Water e Candles. Instrumentalmente, há um pick up no ritmo, com as teclas mais claras e as notas mais abertas.

Os dois últimos temas do álbum centram-se em torno do baixo, confirmando o maior investimento rítmico na segunda parte. Há uma participação de Debbie Harry em Shadows, e é… magnífica. O diálogo entre os dois cantores confere quase que uma ideia de autenticação da receção da mensagem – há efetivamente alguém do outro lado. As vozes articulam-se perfeitamente e completam-se; e, ainda que esta colaboração estivesse longe da ideia até dos maiores fãs da banda, o álbum sai enriquecido pela sua existência.

Se a primeira parte deste LP reflete a mestria de Herring enquanto escritor, a segunda evidencia a capacidade musical da banda em acompanhar as reflexões psicológicas do seu frontman, sobressaindo-se tanto a trágica Through The Roses como o hino à persistência North Star. Este é um álbum que cresce quanto maior a é a atenção que lhe damos; e que sem dúvida merece o nosso tempo. Os Future Islands regressam a Portugal em Agosto para o Festival Paredes de Coura: se tiverem oportunidade, aqui fica o conselho de os irem ver.

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