O problema não és tu, sou eu
A primeira desculpa que qualquer adolescente aprende, quando quer esquivar-se de uma relação: “o problema não és tu, sou eu”. Quem nunca, não é? Esta sempre foi a melhor solução para quem não está interessado em resolver coisíssima nenhuma. Lamento se estou a ser spoiler para quem ainda se encontra a passar por esta fase, mas teve de ser. Tudo começa com a transferência de toda a responsabilidade para nós. De seguida, encolhemos os ombros como quem diz “pois, não posso fazer grande coisa”. Depois, como estucada final, infligimos uma sensação de impotência na outra pessoa que a leva a deixar-nos seguir com a nossa vidinha. Simples, não é? Nem por isso.
Apesar de meio esfarrapada, esta argumentação tem uma profundidade bem maior do que imaginamos. Se espreitarmos mais um bocadinho, vamos acabar por descobrir que o problema nunca está nos outros, mas sim na forma como os interpretamos. Interpretação essa que é feita com recurso a variadíssimos parâmetros como a educação que recebemos, os princípios pelos quais regemos a nossa vida e aquilo que ambicionamos para o futuro. Paternalismos à parte, importa esclarecer que o termo “problema” não se refere a nenhum defeito ou imperfeição. Vejamos as coisas mais como características e particularidades. “Traços de personalidade”, se quisermos soar mais eruditos. Resumindo: a forma como vemos e sentimos as coisas é, na verdade, um “problema” nosso.
Na margem oposta, podemos vislumbrar o “quem está mal, muda-se”. Um clássico no que toca a expressões de algibeira. Neste caso, de forma ardilosa e subtil, depositamos a culpa no outro, colocando-nos num patamar de superioridade moral para o qual não fomos eleitos. E tão bons que somos a apontar o dedo, não é verdade? Em caso de dúvida, a responsabilidade nunca é nossa. Basta sermos atendidos numa loja ou num restaurante e a culpa é sempre da cozinha ou do fornecedor, nunca de quem dá a cara. Durante alguns anos, também me dediquei arduamente ao aperfeiçoamento desta arte. Armado em detetive, procurava obsessivamente por responsáveis pelo meu mal-estar. Alguém tinha de ser julgado e responsabilizado pelo que me estava a fazer. Deixo apenas uma nota: eu nunca fazia parte da lista de suspeitos. Sei que pode soar suspeito e até ingénuo, mas do alto dos meus vinte e poucos anos não dava para mais. Agradeço a compreensão.
O problema sempre foi meu e de mais ninguém. Quando as soluções tardam em aparecer e o desconforto agudiza-se, tudo o que nos resta é confrontar quem encontramos no espelho. Depois de tanta fantasia e negação da realidade, acabou por me custar ainda mais aceitar que era eu quem estava mal. Já não bastava a situação em si, ainda tive de lidar com o facto de me sentir péssimo por a ter ignorado — “leve dois pelo preço de dois mil”. Por mais aspectos negativos que conseguisse identificar à minha volta, ninguém podia sentir aquele desconforto por mim. Era demasiado meu para poder emprestá-lo. Chega uma altura em que precisamos de aprender a investir a nossa energia como se fosse dinheiro. Se não está a gerar retorno, então o melhor mesmo é mudar o investimento, antes que tenhamos de abrir falência. E isto pode ser mais simples do que imaginamos. Nada que uma boa dose de amor-próprio e uma pitada de pragmatismo não resolvam. Tudo o que nos acontece não nos aconteceria, se não estivéssemos capacitados para o resolver — é esta a minha convicção.
A partir desse momento, tentei sempre agarrar-me apenas ao que dependia de mim. E isto aplica-se a tudo. Pode ser mais saudável sair de um sítio que nos aperta, em vez de desperdiçarmos tempo a tentar expandi-lo. Pode ser mais inteligente mudar de pessoa, em vez de mudarmos a pessoa com quem estamos. Não é o mundo que tem de se adaptar a nós. Somos nós que temos de nos adaptar ao mundo. Ele já cá estava. Sempre esteve. E é quando aceitamos que não nos deve nada que podemos começar a receber o que é verdadeiramente nosso.
O problema somos nós. A solução também. Agora resolvam-se.