O que dói é nunca saber
Aprecio a honestidade, mas ser sincero sem qualquer empatia ou compaixão é apenas ser-se bruto, arrogante ou prepotente. Com o acrescentar da idade, propondo-me ainda mais a admirar a verdade, mesmo que magoe ou choque, prefiro que ela ecoe na comunicação entre nós, do que se acoberte nos egos que nos desligam uns dos outros
O que magoa é não entender o motivo, a razão ou causa. O motivo que levou alguém a fazer-te ou dizer-te algo, a razão que moveu tal ação, e a causa que levou a toda essa verdade que encaras. Todos publicitamos muito uma luta contra a mentira e a falsidade, mas talvez as nossas revoltas sejam mesmo contra a realidade que não queremos encarar. Não seríamos nós humanos se não fosse aquela ‘pitada’ de contradição.
Alivia dizer. Também me alivia ouvir para arranjar um jeito de fazer a digestão emocional. A questão do “não te contei para não te magoar” é justificável, numa percentagem muito ínfima dos casos, e nenhum deles é romântico, a meu ver claro. A traição é uma atitude muito deselegante para com nós mesmos, acima de tudo, e citando António Lobo Antunes “Isso também, é uma ideia muito agradável quando não se tem”.
O que irrita é não ouvir soluções, as pessoas parece que só apresentam aquilo que não podem ou não conseguem fazer por nós mas, há sempre um jeito de ajudar seja no que for, nem que não sejam umas palavras delicadamente escolhidas. Tenham mais paciência com o próximo, amanhã és tu a precisar. A felicidade não é linear nem o sucesso está garantido, há ricos infelizes e pobres realizados. O equilíbrio não é estável, é fluido. Dizem que o mortal comum não muda o mundo ou controla o destino mas eu assim só de cabeça consigo recordar-me de muitas e várias situações a que assisti com os meus olhos, onde tenho a certeza absoluta que X poderia ter ajudado Y em determinado momento. E permitam-me que vos conte um segredo: ajudar é tão importante, útil e gratificante para o outro assim como é para nós!
O que pesa muitas vezes é a bagagem e ficar a remoer nos “E Se…”. A saudade que rasga sorrisos, o orgulho que nos fere a alma ou o rancor que só engorda a mediocridade em nós. Também nos causa algum atrito apostarmos tanto na ansiedade do futuro, ou sofrer por antecipação, por algo que não vivemos ainda. Eu sei que é inevitável, mas podemos reduzir satisfatoriamente a quantidade de energia que depositamos em coisas que não podemos modificar.
Passamos o tempo a pedir para os outros serem verdadeiros e atrevo-me a dizer nós próprios, não sabemos lidar com a mesma.
O que dói é a verdade, nunca saber se poderíamos ter feito melhor sim, nem tão pouco podemos mitigar os efeitos colaterais da mesma, mas conseguimos aceitá-la se nos propusermos a isso. Claramente que também dói, ainda assim, arde menos que a ilusão.
Aflige nunca chegarmos a ter a certeza se deixamos todas as desculpas e legítimos elogios com os familiares e amigos que partem fisicamente. Como ou onde estaríamos se tivéssemos tomado decisões diferentes, se nunca fomos realmente traídos ou se simplesmente estamos alienados dessa verdade crua. Se nós demos uma vida a uma pessoa que só nos deu metade.
E tudo começa na raíz, ensinem a verdade às crianças. Parem de lhes bloquear sonhos e limitar a criatividade, ou de impingir a vossa maneira de ser. Umas vezes a verdade pode nos elevar, outras vai-nos derrubar como 10 comboios a passar por cima, mas o que importa é o que fazes com ela, e mais que ser bondoso, é usá-la com justiça.
Crónica de João Grilo