O que me choca em Marcelo Rebelo de Sousa
Gosto de Marcelo Rebelo de Sousa. E não tenho dúvidas de que o seu mandato tem sido marcante. Portugal precisava de um Presidente da República que pudesse restituir amor-próprio ao país. Parece uma coisa sem importância, mas se recuarmos uns anos, se recuarmos ao cavaquismo em Belém, à bancarrota socrática e à presença da troika amplificada por um governo que acreditava que se devia ir para além dela, entendemos melhor a dimensão do atual Presidente da República. Uma dimensão amplificada por essa capacidade que tem de estar próximo das pessoas, um anti populista que utiliza as armas de proximidade dos populistas, um travão ao descontentamento coletivo. Se nada de extraordinário acontecer terá o meu voto para um segundo mandato.
Apesar de tudo isso… incomodam-me certas decisões, aparições, declarações. De repente é mais um abraço, mais uma selfie, mais uma declaração inócua, mais uma entrevista improvável, mais uma inovação. E as palavras ou os gestos, quando muito repetidos, passam a ser mais do mesmo, já não emocionam ninguém, já não prendem ninguém, já não influenciam ninguém. Marcelo é um super-herói. Nós sabemos que podemos descansar porque o nosso Clark Kent está vigilante e proteger-nos-á contra a tirania. Mas mesmo o Super-Homem mantinha uma aura de mistério e contenção.
Parece que Nixon, ao passear pela divisão onde estão os retratos dos presidentes americanos, terá dito perante a fotografia de Kennedy: “Quando eles te veem olham para aquilo que gostariam de ser, mas quando eles me veem olham para aquilo que são”. Gostaria muito que Marcelo Rebelo de Sousa continuasse a ser o que as pessoas gostariam de ser no seu íntimo, não o que as pessoas gostariam de ser à sua superfície.
Não me choca que Marcelo tenha anunciado o seu problema de saúde e a intervenção cirúrgica que necessita fazer num programa de entretenimento. Não me choca que tenha recebido 40 youtubbers em Belém. Não me choca que tenha dito que Rosa Mota é mais importante do que qualquer Presidente da República da história portuguesa. Não me choca que tenha telefonado para Cristina Ferreira na estreia do seu programa na SIC. Não me choca que corra para todos os lugares onde uma câmara de televisão testemunhe uma tragédia ou um problema. Não me choca que beije e abrace o país.
Mas a soma de todas estas coisas retira qualquer possibilidade de distância, de recato e de silêncio. A soma de todas essas coisas é chocante. Porque no momento em que Marcelo precisar de qualquer uma dessas três condições, temo que não tenha possibilidade de as ter. Porque a proximidade em excesso na política paga-se tão caro como as anedotas que deixam de ser contadas por quem as sabe contar. Às duas por três receio que aconteça a Marcelo o que acontece aos cómicos a quem já não apetece contar anedotas, no dia em que ele precisar de não estar tão próximo o país exigirá que ele continue a estar. Ou, pior ainda, cansar-se dele, como se cansa de um personagem de novela. E isso seria trágico.
Marcelo é um espetáculo, diz o povo. E é verdade. O país precisa que ele seja também o que não se importa de não ser amado todos os dias. Porque, Sr. Presidente, por bizarro que nos pareça, até isso cansa.