O que não tem de ser também tem muita força
Por mais adaptações que façamos ao nosso comportamento, a necessidade de nos sentirmos integrados na sociedade ainda corre no ADN de cada um de nós. Na teoria, e por vezes também na prática, é em grupo que somos mais fortes. “Sozinhos podemos ir mais depressa, mas em conjunto chegamos mais longe”, é assim, não é? Como é lógico, estarmos inseridos numa tribo com a qual nos identificamos tem as suas vantagens. A grande questão é que até conseguirmos escolher a nossa tribo, temos de nos ajustar ao grupo que nos calhou na rifa. Ninguém pode escolher a família nem a sociedade em que nasce.
Esta semana recebi uma mensagem de uma leitora, a Lara. Após ter finalizado a leitura do meu último livro, teve a amabilidade de partilhar comigo a sua opinião. A atravessar um período delicado, como é a transição do 12º ano para a faculdade, disse-me que se sentia esmagada pelas expectativas da família e dos amigos. Por ser uma aluna com boas notas, esperavam que já soubesse que curso tirar, de preferência algum com muita saída e imensa entrada de dinheiro. Algo que, na teoria, deveria ser um momento entusiasmante, estava na verdade a ser um tremendo tormento. Quantos jovens de 18 anos são capazes de resistir a esta expectativa? Quantas mulheres não querem ser mães e acabam por ser porque “tem de ser”? Quantas pessoas sucumbem à perfeição das redes sociais porque “é suposto” termos vidas perfeitas?
A pressão social existe desde sempre. Talvez agora seja mais evidente graças a todos os canais de comunicação existentes. É uma guerra fria que paira entre as nossas interacções e que, a qualquer momento, podemos queimar-nos se pisarmos o risco. Existe uma linha imaginária que separa quem realmente somos de quem nós achamos que devemos ser. Para os mais rebeldes, fiéis à sua essência, normalmente apelidados de “gandas malucos”, talvez seja fácil fugir à regra sem que sejam apanhados. A sua aparente “inconsciência” fortalece-os e conseguem assim lidar com eventuais danos colaterais. No entanto, a verdade é que a maioria das pessoas pertence ao grupo dos “certinhos”. E isso explica-se com uma simples razão: quem cumpre é (aparentemente) recompensado.
Estamos todos preocupados em agradar. Queremos ser os filhos perfeitos, a mãe exemplar, o pai ideal, o cônjuge insubstituível ou o colaborador do mês, todos os meses. Nesta senda por ficar bem na fotografia, normalmente esquecemos-nos de levar alguém muito importante: nós. Existe uma grande diferença entre sermos bons e sermos bonzinhos. A segunda opção pode parecer a mais fácil, mas é também aquela que por norma nos conduz a um beco só com entrada.
As expectativas depositadas em nós são como um insulto, se não reagirmos, perdem imediatamente a importância. De nada serve ficarmos à espera da compreensão de quem nos rodeia para que possamos fazer algo. As condições ideais nunca vão existir. Se a erva daninha estivesse à espera que a adubassem para crescer, ainda hoje não teria visto a luz do dia. Antes de dizermos que a sociedade ainda não está preparada ou que ninguém nos apoia, talvez seja mais proveitoso questionarmos a força daquilo em que acreditamos. Até onde estamos dispostos a ir pelas nossas convicções? Já fizemos tudo o que estava ao nosso alcance? Será que queremos mesmo isto? A “sociedade”, seja ela quem for, não pode servir de esconderijo para os nossos receios e inseguranças.
Mais à frente, a Lara confidenciou-me que já sabia que curso iria tirar. Escolheu por ela, sem a culpa habitual de quem não corresponde às expectativas dos outros. Se continua com dúvidas? Claro que sim! Mas também quem é que inventou que temos de ter sempre a certeza?
Não tenhamos ilusões. Esta estrada tem buracos, curvas apertadas e falta de sinalização. Tudo irá depender do veículo e do combustível com que o alimentamos. E mesmo que o destino tarde em chegar, pelo menos podemos ter a certeza que a viagem é nossa.