O silêncio não vale ouro
O speaker’s corner é um daqueles lugares emblemáticos em pleno Hyde Park londrino que não escapou do meu itinerário nas primeiras duas vezes que visitei a cidade. Desconheço como está hoje, mas há largos anos, podia-se encontrar de tudo a discursar em cima de um caixote num sábado e domingo à tarde. O mais provável era mesmo encontrar alguém bem bebido à boa moda inglesa e a balbuciar uns lugares-comuns sobre o antigamente. Uma das vezes, o discurso e a figura era tão engraçada que cheguei a ficar quase uma hora para assistir até ao fim. Aplaudi e agradeci o bom entretenimento. Segundo constava, não raras vezes, também se assistia a algumas disputas bem argumentadas sobre o papel do Reino-Unido no mundo, a defesa dos valores ingleses e o debate que já na altura se tinha sobre uma eventual saída ou permanência do país na União Europeia.
Ao assistir fora de tempo na televisão áquilo que me avisaram que André Ventura tinha dito no seu discurso de encerramento do congresso do Chega e constatando depois a falta de reações do PSD nos dias seguintes, lembrei-me deste speaker’s corner que conheci ainda adolescente. Ventura na pele do inglês, só que português, mais novo, repleto de alguns dos mesmos lugares-comuns, adocicados com inverdades, sem o mesmo sentido de humor, mas acabando por entreter o seu público, a comunicação social e ao que parece, longe de ingerir grandes quantidades de álcool enquanto está em cima do palco ou de um caixote. As semelhanças e distâncias ficam quase todas por aqui e é estranho que o PSD em especial, mas também, o que resta e surgiu na direita nacional, continue a fazer-se de “morta,” como se Ventura fizesse isto tudo numa espécie de speaker’s corner nacional.
Ora, consigo perceber que com tantos disparates do líder do Chega em busca do soundbyte e com os jornalistas a fazerem o favor de os transmitir ou noticiar constantemente e sem contraditório, se acabe a supor, por exemplo, que quem se apregoa sucessor de Sá Carneiro e pouco depois, enalteça os valores do Estado Novo, cujo derrube o líder de então do PSD enalteceu e festejou, só dá tiros nos pés. Mas não me parece que seja assim tão simples: o passado recente nos EUA e a realidade noutros países europeus, transmite exatamente o contrário sobre o crescimento de alguns fenómenos da extrema-direita. Diz-nos que quando o centro e a direita democrática os decidiram ignorar e por mais reacionário ou estapafúrdio que tenha sido o discurso no extremo, cresceriam eleitoralmente. Em praticamente todo o lado que o centro-direita ou a direita lhes “deram a mão,” estes perderam eleitorado e a extrema-direita ganhou. E no sentido inverso, sempre que os combateu e bem, a extrema-direita começou a cair.
Até hoje, o PSD e a nossa direita, fez com o Chega todas menos a última e única que interessava: nunca os combateu verdadeiramente.
Capturando 10% ou mais nas legislativas a 30 de janeiro e num momento em que todos os partidos garantiram recusar qualquer entendimento pós-eleitoral com o Chega, a ausência de um verdadeiro combate político com a extrema-direita, torna-se ainda mais inexplicável. E é sobretudo ao PSD de onde advém André Ventura, mas também à IL e por razões distintas, que cumpre fazê-lo.
Para já, os sinais são péssimos. Faltou o líder ou alguém da direção do PSD a referir o que André Ventura chama aos militantes e simpatizantes do Chega ou a quem pensa votar nele sempre que reescreve a história dos sociais-democratas e de Sá Carneiro.
Não há caminho e espaço para ilusões. Até aqui, o silêncio vale tudo menos ouro.