A diferença entre um filme profissional e um filme de escola não se vê, ouve-se

por Luís Azevedo,    13 Dezembro, 2018
A diferença entre um filme profissional e um filme de escola não se vê, ouve-se
Sérgio Praia como António Variações / Fotografia de João Pina
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De todas as duras palavras que um trabalhador das artes em Portugal ouve, as quatro mais temidas são “não há muito dinheiro”. Infelizmente, são também as mais ouvidas. Branko Neskov repetiu-as nesta manhã de Dezembro a uma plateia cheia de jovens cineastas: “Não há muito dinheiro, vão ouvir isto muitas vezes ao longo da vossa carreira”.

Neskov falava sobretudo para aspirantes a sound designers, boom operators, foley artists, sound mixers, compositores ou interessados em qualquer outra profissão ligada ao que ouve no cinema. No dia dos prémios “Sophia Estudante” no Rivoli, o tema da manhã foi o som. Começou com a masterclass de Nelson Ferreira, o luso-canadiano que só no ano transacto trabalhou no filme que ganhou o Óscar (“The Shape of Water”), numa longa que foi nomeada para melhor animação (“The Breadwinner”) e na melhor série de sci-fi da última década (“The Expanse”). A manhã terminou com outra masterclass bastante esclarecedora de Tom Fleischman, colaborador frequente de Martin Scorsese. Mas foi no meio que se encontrou a virtude, num debate entre três representantes do som português: Branko Neskov, Francisco Veloso e Álvaro Melo.

Francisco Veloso, Branko Neskov e Álvaro Melo / Fotografia de Luís Azevedo

A conversa foi dominada por Neskov e Veloso, os dois elementos de Lisboa que contam com o currículo mais extenso. São do tempo do mono e do analógico e já eram profissionais do som quando este passou a estéreo e depois a digital. Neskov diz que quando veio para país há 26 anos,“o som do cinema português era absolutamente desastroso.” A “pós-produção não existia”, sound designers e foley artists não havia e que foi ele que, com António da Cunha Telles, fundou o primeiro estúdio profissional do país. Hoje em dia as coisas são diferentes. Neskov falou com prazer da experiência de trabalhar o som de “Variações”, a nova biopic sobre o pioneiro músico português que estreia em 2019. Os instrumentos foram gravados com excelente qualidade em faixas diferentes, o que lhe permitiu trabalhar individualmente os sons de forma a “não a ficar bonito, mas como deve ser”. Para um bom trabalho de som bastam 4 ou 5 técnicos, segundo Veloso. Se as pessoas que gravam, editam, fazem foley e compõem a música para o filme trabalharem em uníssono, o resultado pode rivalizar com qualquer produção. Infelizmente, para quem faz cinema verdadeiramente independente em Portugal (com meia dúzia de trocos), as condições são outras.

Tom Fleischman

Quando há falta de orçamento, reduz-se na equipa.” A experiência no cinema de Álvaro Melo está marcada por mais adversidades. Representante da zona norte (ainda sem uma indústria com a estrutura lisboeta) e de um nova geração (acabou o curso de cinema há 7 anos), Melo está acostumado a desafios diferentes para levar o melhor som possível aos ouvidos dos espectadores nacionais. Muitas vezes não consegue visitar os locais onde o filme será rodado e depara-se com problemas que terá de resolver, como pode, minutos antes de o realizador gritar acção. Não trabalha com os 4 ou 5 técnicos de que falava Veloso, mas muitas vezes só com um. No último projecto em que participou, Melo contou apenas com a ajuda de um outro técnico que fez a pós-produção. Mesmo quando está sozinho no set, é muitas vezes visto como “o tipo que mete um microfone em cima que tens de aturar”. É comum trabalhar com equipas que, se pudessem optar, fariam o filme sem som. Mas os bons profissionais reconhecem-lhe o valor e os melhores trabalham em conjunto para lhe facilitar a vida e fazer o melhor filme possível.

No Porto já existem técnicos profissionais e competentes e hoje quem faz um filme no norte não precisa de passar o Douro para encontrar estúdios com condições para o completar. Com a luz certa e a câmara de um iPhone da geração anterior consegue-se enganar muitos cinéfilos, mas só com um trabalho de meses, por profissionais dedicados se consegue produzir áudio que não soe estranho a ouvidos destreinados.

Com vês ou com bês, a diferença entre um filme profissional e um filme de escola não se vê, ouve-se e é refrescante que, neste dia dos prémios Sophia no Porto dedicado aos estudantes, se fale de som com o destaque que ele merece.

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