O ‘Spirit’ musical e temático dos Depeche Mode continua bem vivo
Quatro anos depois de “Delta Machine“, os Depeche Mode voltaram aos estúdios e gravaram “Spirit“. Já são quase quatro décadas completas de música que, ao mesmo tempo que mexe com as estandardizações eletrónicas, acompanha as gerações mais jovens de então; e, com elas, vem amadurecendo. Outrora quarteto, o agora trio – composto pelo vocalista Dave Gahan, pelo guitarrista e também vocalista Martin Gore e pelo baixista Andy Fletcher – chega ao seu décimo quarto álbum de originais, produzido por James Ford, da Simian Mobile Disco. A capa do álbum vai ao encontro de uma mensagem de ativismo, de uma necessidade de lutar em conjunto e de forma concertada pelo que é da sociedade por direito; o que é de todos, indiscriminadamente.
Tudo começa ainda no ano passado, quando Gore anuncia o regresso da banda aos estúdios, tendo já escrito letras com o próprio Gahan, e preparando-as para o que seria a próxima revelação: uma nova tournée, a decorrer a partir de maio, e que passará por Portugal no dia 8 de julho, no NOS Alive. A Global Spirit Tour almeja divulgar as faixas do novo álbum. Os lucros provenientes desta série de concertos reverterão para a organização charity:water, cuja missão é a proliferação de água potável para os países mais necessitados, tais como o Quénia, a Ruanda e a Etiópia.
“Going Backwards” é a primeira de doze músicas – a versão deluxe tem mais cinco, embora sejam remisturas das primeiras – e leva-nos literalmente aos primórdios do êxito de Depeche Mode, despejando-nos fragrâncias daquilo que nos fez criar uma empatia com o grupo. “Where’s the Revolution” volta a uma toada mais de exortação e de desafio ao ouvinte e ao mundo, nunca descredibilizando aquilo que os tornou proeminentes no sentido instrumental. As temáticas perpassam pela política e pela sociedade, levantando a problemática dos líderes menos acertados para as caminhadas organizadas e orientadas de cada nação e/ou instituição internacional (destacando-se “The Worst Crime“). “Scum” fala por si e, sendo levada por um acompanhamento instrumental à medida, aponta baterias às figuras menos expeditas do poder.
Se “You Move” procura mais a pessoalidade e a intimidade, já “Cover Me” alia-as a essa vontade insaciável de procurar pugnar pelos direitos e pelas posições sociais que, de direito, pertencem a todos de forma equitativa. A própria assessoria musical é ajustada aos climas expressos, revelando em parte o suspense e a proximidade entre os visados na música. Esta estreiteza não deixa de ser trabalhada no que resta do álbum, caminhando também em “Eternal” – uma das faixas mais compassadas, tal como “Poison Heart” – e fortalecendo-se em “So Much Love“, mesmo que esta prenuncie também o regresso a um “tu” agregado e assimilado nas figuras de rutura social.
Esta agulha apontada aos órgãos de poder volta a estar patente em “Poorman“, exigindo também mais da eletricidade musical e da narrativa da própria melodia. Em jeito de despedida, segue-se “No More (This is the Last Time)“, voltada para a intimidade que deixou incompleta e que decide rematar com a ajuda freada e articulada dos instrumentos; mas é em “Fail” que o álbum acaba, não se escudando de expressar uma paradoxal descrença e a falta de sentido de lutar pelo que seja (o instrumental volta a não desapontar, descrevendo plenamente essa espiral regressiva).
É com uma atualidade pertinente que o trio regressa às andanças dos álbuns, andanças estas que pouco têm de estranho para o mesmo. As letras, interventivas e acutilantes como sempre, consagram-se no virtuosismo instrumental e eletrónico que remata no grosso da voz de Dave Gahan. Um “nós” que se vai afunilando, aproximando-se de um “nós” que deixa o coletivo e que passa para o conjugal, para o relacional, mas sem nunca prescindir do âmbito ativista e consciente daquilo que a realidade exibe e padece. No fundo, um regresso em força e em oportunidade de uma banda que não tem prazo de validade e que já soa a eternidade.