O (tão) gratificante regresso de Feist

por Sara Miguel Dias,    13 Maio, 2017
O (tão) gratificante regresso de Feist

Leslie Feist voltou este ano para nos agraciar com um novo álbum, seis anos após Metals e dez após o icónico The Reminder, que solidificou a sua presença a solo musicalmente (uma vez que dá também voz aos Broken Social Scene). Pleasure surge como um compêndio de canções que se apresentam mais cruas a nível de produção e que brilham na forma como conseguem evidenciar a versatilidade da cantora criativamente.

O primeiro single, também de nome “Pleasure”, quando saiu, deu indícios de se avizinhar um álbum de rock áspero, muito ao estilo de PJ Harvey no final dos anos 90. Este é um tema absolutamente viciante, com uma jiga-joga de palavras curtas a serem sucedidas pelos agudos vocais do refrão e a arrojada progressão de acordes. E ainda que esta não seja a sonoridade que caracteriza mais o álbum – como referido previamente, este é um álbum muito eclético em termos rítmicos – pode ser de novo ouvida em “Century”, a música mais explosiva e imediata de todas, em que a bateria, a marcar o passo, permite uma maior exultação demarcando a dissonância das cordas e as compactadas camadas vocais. Ainda conta com a colaboração de Jarvis Cocker, que numa mudança de ritmo e embalado de teclas, nos deixa com uma reflexão sobre o que efetivamente é o século, e como isso difere da forma como o sentimos, tema que é insistentemente abordado ao longo do resto da musica, que acaba abruptamente no fim de um crescendo de arranjos, que começara com as palavras de Cocker.

“Any party” é talvez a musica que melhor consegue fazer a ponte entre a abordagem já referida, e as músicas de guitarra muito características da música de autor. Feist canta sobre como, melhor que qualquer festa, é a companhia daquele sobre o qual canta, e fá-lo de uma forma que pode ser descrita como uma melhoria daquilo que fizera em Metals, singularizando e permitindo enaltecer os seus diversos talentos enquanto artista.

Pegando agora nas músicas que surgem mais “calmas”, sem dúvida que a produção mais arrojada, as cordas pouco limpas e a camada longínqua de white noise, são uma salvaguarda na garantia do seu funcionamento neste álbum, até porque são não só as musicas mais bonitas deste, mas talvez até do reportório de Feist – que não é curto, diga-se. Potenciam a suavidade vocal e a fragilidade em “Baby Be Simple”, uma confissão com um ganho de força no pick up final; a frustração disfarçada de calma de “Wish I Didn’t Miss You”; os overdubs e harmonias vocais de “Lost Dreams”, que diversifica mais uma vez em termos instrumentais; e ainda em “A Man Is Not His Song”, uma balada metafórica com contribuição de coro, que utiliza a repetição para iterar a mensagem e que acaba com uma sample da “High Road” dos Mastodon, que Feist disse, em entrevista com o The Guardian, ser uma forma de resumir a ideia de masculinidade abordada na música.

A cantautora canadiana consegue então continuar a provar que é muito mais que uma dispensadora de singles (para quem se gosta de se ficar pelos hits dos anúncios televisivos conhece com certeza a “1234”. Ou a “I Feel It All”. Ou a “Mushaboom”. Ou a “My Moon My Man”. Já para não falar daquela ~pequena~ música “Limit To Your Love”, também da sua autoria, mas que meio mundo só conhece pelo cover do James Blake) e reinventar-se enquanto artista, consolidando décadas de mestria e florescendo na arte de compor e escrever canções.


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