O teatro punk dos Iceage em ‘Beyondless’

por Sara Miguel Dias,    28 Maio, 2018
O teatro punk dos Iceage em ‘Beyondless’
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Os Iceage são uma banda dinamarquesa historicamente carregada pela intensidade com que se levam e que conferem às suas músicas; e historicamente é relativo, visto celebrarem agora apenas dez anos desde a sua génese, nos quais se revelaram mais que capazes de reivindicar uma hegemonia qualitativa no estilo em que, desde 2014, se inserem: uma mistura de post punk e jazz fusão, efervescente de melodias sombrias e palavras dramaticamente entoadas, arrebatadas pelos sopros atmosféricos imperativos. “Plowing into the Field of Love” desse mesmo ano demarcou então a partida de punk rock mais rígido que caracterizou os dois primeiros LP do grupo – e os aproximava mais a uns Ought ou uns Girl Band -, havendo no mesmo um nítido amadurecimento harmónico, com a independência face à força bruta instrumental e ao scream-o, e a introdução dos saxofones e violinos como partes indispensáveis deste som que voltam a agarrar com “Beyondless”.

Iceage

“Beyondless”, ainda que abra com as iterações violentas de Elias Ronnenfelt, cuja voz compartilha esse sentimento de agressividade, enquanto canta “’Cause we can’t stop killing / And we’ll never stop killing / And we shouldn’t stop killing / Hurrah”, é no seu todo um álbum tonalmente menos pesado, no sentido em poucas músicas alcançam a intensidade penumbrosa, por exemplo, de uma “Glassy Eyed, Dormant and Veiled” ou a tristeza de uma “Against the Moon”. O tema que mais a isso se aproxima é o primeiro sinlgle, “Catch It”, que parece invocar as memórias de uma fisicalidade no limite da toxicidade. A voz de Ronnenfelt arrasta-se quase que a meio tempo, numa deselectricidade focada, que sucede organicamente a urgente perseguição relatada em “Pain Killer”, um segundo single que é complementado na perfeição pela fonética inebriada de Sky Ferreira.

Ronnenfelt desde o inicio da sua carreira – começada apenas com 17 anos – consegue pegar em temas ora genéricos ora abstratos e torna-los poeticamente eloquentes e ilusoriamente pessoais, como faz com a vaga “The day the music dies”. Ainda, a sua entoação in the pocket não tenta tirar razão à melodia criada, mas manter-lhe o fluxo – o que dá propósito aos “la la la” de “Plead the Fifth”-, e é ajudada pela maneira teatral com que encara a performance vocal. “Showtime” é um exemplo primo em lírica e em progressão dessa faceta representativa do cantor (“You’ve never seen more dashing a show / Bathed in coordinated lighting, the evening’s singer announces his entré”), e neste caso, mesmo de toda a banda, que tenta a certo ponto, emular temas de teatro musical

“Plead the Fifth” e “Take it All” retomam a precursão de banda marcial constante ao longo do reportório do grupo, mas apresentam-se imediatamente mais complexas pelas adições orquestrais a preencherem o que, com as guitarras assim menos pungentes, seriam vazios.

A distorção continua a dominar o som dos Iceage, mas o tempo permitiu-os compreender que a adição de mais elementos seria fundamental para o enriquecimento sonoro. Sendo o seu álbum mais acessível até ao momento, é também um passo estilístico evolutivo que caiu com toda a graça necessária e que seria expectável de um grupo como o em questão, integrando estelarmente o já rico repertório deste bando de jovens dinamarqueses.

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