Opinião. História do crime
Já disse qual foi o meu objecto de design português da década. Os meus objectos do ano são o livro História do Crime, de João Louro, com design dos Barbara Says, e Moer, de Ricardo Valentim e Ana Jotta, com design Márcia Novais.
Foram finalistas do prémio do design de livro do qual fui júri. Não foram premiados, mas foram os que me assombraram mais. Um prémio é uma decisão colectiva e estou satisfeito com a que tomámos. Gosto de participar em júris porque me levam a decisões que não tomaria sozinho.
Mas fiquei a pensar nas possibilidades de um design português onde se premiasse por unanimidade estes dois livros. Que coisa gloriosa seria esse design!
Cada um desses livros é uma apropriação cuidada, sentida, de um outro formato. A História do Crime rouba um dicionário cujas entradas e imagens foram trocadas de modo maníaco. Moer é um livro de artista encenado como um parasita das colecções da Gulbenkian (curiosamente editado pela própria Gulbenkian).
Não sendo livros de design, são livros que põem em causa as expectativas do que deve ser o design e as suas tarefas: cumprem à letra a vontade dos seus clientes; ao fazê-los, o designer apaga o seu próprio estilo e mesmo identidade; mas revelam também que dentro do design a suposta neutralidade funcionalista nunca existiu; espera-se sempre um estilo, uma identidade, uma originalidade. São livros de artista que revelam cruelmente a inconsistência crucial do designer como deve ser, aquele que se diz humilde, aquele que se diz cumpridor, aquele que depois até gosta que lhe dediquem uns prémios e uns livros.
Sendo menos cruel, são objectos que expandem alegremente os limites do design, quando muito desse design prefere fechá-los ainda mais, perguntando se quem faz objectos destes é realmente um designer (retoricamente, porque acreditam numa resposta negativa).