Orgulho Gay
Foi a 28 de Junho de 1969. Stonewall. Quem não souber, procure na net. Nesse dia começou algo que, para citar Thomas Mann, «ainda não parou de começar». Nesse dia, começou o início de uma nova consciência sobre pessoas que não só se sentem sexualmente atraídas, mas se apaixonam (até para toda a vida), por alguém que é do seu próprio sexo. Mulheres que amam mulheres. Homens que amam homens. Amor. Sexo, claro (consentido e entre adultos). «What’s not to love?»
Nesse mesmo ano, o meu avô materno (a quem reconheço «post mortem» a feitura de fotos que exprimem toda uma época) achou por bem fotografar-me a mim, seu neto, e à minha irmã Catarina, sua neta, da forma que vocês vêem na foto. Azul para o menino. Rosa para a menina. Todo um universo de experiência humana numa fotografia tão simples.
O problema é que ao azul estava a ser adscrita uma mensagem que nada tinha a ver comigo. Eu era rapaz. Devia ter comportamentos de rapaz. Mas não tinha. Já escrevi sobre isso noutro texto («Terrorismo de Género», que foi o único texto que escrevi no Facebook que chegou aos 20.000 likes).
Quando o meu avô tirou esta fotografia, eu não sabia que era homossexual. Não sabia que existia homossexualidade. Mas sentia-me diferente dos outros meninos, que já sabiam, muito antes de eu próprio ter descoberto, que eu era gay. Chamavam-me maricas e paneleiro. Uma vez perguntei «o que é paneleiro?». Os meninos disseram-me que «é quem leva no cu». Isso não me fez sentido. «Leva o quê no cu?» Eu passei toda a minha infância num estado de inocência total em relação à sexualidade, mas fui permanentemente vítima de bullying por meninos e meninas (sim…) que sabiam «a missa toda» e que já tinham adivinhado, antes de eu próprio saber, a minha sexualidade.
Ter sido maltratado e insultado durante todo o meu percurso escolar teve um efeito em mim que durou para toda a vida. Fez-me permanentemente desconfiado em relação às pessoas. Cortou-me os mecanismos necessários para fazer amigos. Inculcou na minha cabeça a ideia paranóica que toda a gente «lá fora» me odeia – ideia com que luto ainda hoje, aos 56 anos, embora saiba racionalmente que não é verdade. Ser insultado e rejeitado na infância pela sexualidade que eu ainda não sabia que era a minha ocasionou também um dano de longo alcance: a dificuldade colossal que eu tenho de viver no presente. Estou sempre a fantasiar uma realidade alternativa à que é a real; e tenho de me obrigar a olhar à minha volta para aquilo que a realidade realmente é. A minha infância e adolescência deram-me a noção de que o Presente não é um espaço seguro; tenho de fugir dele, tenho de me defender dele. É difícil explicar os efeitos nocivos que isso teve em mim. Mas foram muito maus.
As pessoas dizem (de forma irresponsável) que ninguém tem de celebrar Orgulho Gay nenhum; e que ninguém tem de sair do armário; e que gays, lésbicas, bissexuais, etc. já cansam com a permanente chamada de atenção para a realidade que vivem.
Mas é óbvio para mim que o dia 28 de Junho tem de ser festejado e celebrado. Há países no mundo em que a homossexualidade ainda é punida com pena de morte (Irão, Arábia Saudita e por aí fora). Há países no mundo em que as pessoas pensam que a melhor coisa que os pais podem fazer com o seu filho homossexual é matá-lo (trata-se de países islâmicos, não vale a pena esconder esse facto; mas os países de religião cristã Ortodoxa russa e grega não andam lá tão longe). Os ataques a casais gays que demonstram afecto em público continuam em todos os países ditos «civilizados». O Brasil, com o seu presidente e com a sua ideologia boi/bala/Bíblia, é o que é.
Não venham dizer que não é fundamental celebrar o Orgulho Gay. É fundamental, sim.
Em 1969, no ano de Stonewall, puseram-me um balão azul nas mãos. A cor do balão implicava expectativas em relação a mim que eu não pude cumprir. Sofri por isso. Mas tudo bem. Muita coisa mudou para melhor desde aí. Pude ser quem sou. Pude casar com o André. Obrigado às mulheres e aos homens de Stonewall. Tenho o maior orgulho em ser gay.