Os 20 melhores álbuns nacionais de 2019

por Comunidade Cultura e Arte,    25 Dezembro, 2019
Os 20 melhores álbuns nacionais de 2019
Ilustração de Carlota Real / CCA
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Após termos analisado aquilo que de melhor se fez no panorama da música internacional – seja em termos de álbuns ou canções – dedicámo-nos a olhar para dentro das nossas fronteiras geográficas. Começamos pelos melhores álbuns que se fizeram em Portugal neste 2019. Novamente, a mistura de vários géneros demonstra a variedade da música que se faz hoje em dia; no entanto, isso ainda é mais premente neste caso, pois demonstra que não temos de procurar longe para a encontrar. Portugal está repleto de criatividade, há que perder algum tempo a encontrá-la.

Os 20 álbuns desta lista espelham o consenso do grupo de redactores que participou no processo de escolha, tendo sido referidos quase 50 álbuns diferentes. A pluralidade de opiniões é um dos motes da nossa Comunidade e é por isso que consideramos este tipo de rankings tão importantes.

Aqui ficam os 20 melhores álbuns nacionais de 2019 para a Comunidade Cultura e Arte:

20. Plutónio – Sacrifício: Sangue, Lágrimas, Suor

O terceiro longa-duração de Plutónio consagra-o como um artista multifacetado e com uma história complexa para contar. São mais de 60 minutos de contos e das suas vivências acompanhadas por instrumentais de diferentes artistas como DJ Dadda, Lhast ou Sam the Kid. Depois de um grande ano para o artista – proporcionado por singles de peso como “Sacrifício”, “Meu Deus” ou “Vergonha na Cara” – este pluralista projecto vem confirmar definitivamente o potencial do rapper do Bairro da Cruz Vermelha. É uma obra conceptual bem dividida em três partes que representam três mensagens diferentes, e é simultaneamente uma homenagem a Chullage e ao seu álbum Rapresálias – Sangue, Lágrimas, Suor, factor demonstrativo da humildade de Plutónio e o apreço que o artista tem por um dos grandes rappers portugueses. É um testemunho de uma vida atribulada e o estado de plenitude que agora atinge, provando que, no que toca à arte do storytelling do hip hop tuga, há mais um rapper a considerar. – Miguel de Almeida Santos

19. Angélica Salvi – Phantone

Quando pensamos em canções lideradas por harpa, pensamos na clássica Dorothy Ashby, no génio contemporâneo de Joanna Newsom, no experimentalismo de Mary Lattimore ou então, do outro lado do espectro, nas melosas artistas que tocam em recepções de casamento. Pensem de novo, pois Angélica Salvi subverte essas expectativas com o seu álbum de estreia, Phantone. “Sinople” começa quase como música de câmara medieval, “Cinzolino” tem uma aura mais mística e, impressionantemente, os efeitos aplicados ao som da harpa em “Indigo” aproximam-na de uma composição electrónica de Arca. Este é um álbum de longas explorações sonoras, que nos induzem um trance e marcam um ambiente quase irreal ou, como o título sugere, fantasmagórico. – Bernardo Crastes

18. Ganso – Não Tarda

É fácil desvalorizar os Ganso como uma cópia dos Capitão Fausto. Ok, são parecidos, mas em Não Tarda há uma tranquilidade que não encontramos na música da banda de Alvalade. Os seus ritmos normalmente ficam-se pelo midtempo, como “Não Tarda”, que nos lembra das baladas vespertinas dos Real Estate, embalando-nos da mesma forma pacificadora. Isto não é sinónimo de aborrecimento, mas sim de paz, sensação tão necessária neste mundo héctico. Depois, detalhes fabulosos como os sintetizadores que soam a um theremin plácido em “Os Meus Vizinhos” enriquecem as canções. Vale a pena dar uma oportunidade a estes rapazes. – Bernardo Crastes

17. First Breath After Coma – NU

NU é uma jornada sem fim, uma que nos acompanha para toda a vida. Os melhores álbuns são assim: tocam-nos algures cá dentro quando com eles nos deparamos, num sítio profundo para o qual ainda não temos denominação. E nunca mais nos largam. Ficam sempre connosco, fiéis a quem neles viu algo mais”. Em março, escrevi este parágrafo como abertura da crítica do disco. Nove meses depois, nada mudou. Quanto muito, mudou a minha admiração pelo disco – afinal, nove meses é muito tempo para crescer. A cada vez que o ouço, continuo a descobrir NU. As palavras adquirem novos significados, há sons adormecidos por identificar, uma nova música sobe ao trono da preferida no disco. NU é mesmo isso: uma jornada sem fim. É um disco que toca a perfeição, sem alguma vez o ter ambicionado. E é tão bom por isso mesmo. Um trabalho puro, em bruto…. bem, nu – não há mesmo melhor palavra para o caraterizar. Completando o que escrevi na crítica, acho que, para lá de ser uma “viagem apenas de ida aos cantos mais escondidos do quinteto”, é também uma viagem apenas de ida aos cantos mais recônditos de nós próprios. Em NU nos perdemos e em NU nos encontramos. Se gostamos do que descobrimos? Esse já é outro mistério por resolver. Sofia Matos Silva

16. Afonso Cabral – Morada

Sabe bem estar-se nesta primeira Morada a solo de Afonso Cabral. O vocalista da banda You Can’t Win, Charlie Brown decidiu expressar-se num álbum em que assume o total controlo criativo. O resultado é uma montra eclética de sonoridades, na senda do indie pop, mas com a presença fulgurante de uma inspirada orquestra que ajuda a colorir as composições. Oiça-se, a título de exemplo, “Sempre Sim” – que cruza um focado arpeggio electrónico com a expressão mais aberta das cordas. Há qualquer coisa de natureza na paisagem sonora de “Fogo Manso”; e “Perto”, tema que escreveu para o bonito último álbum de Cristina Branco, surge aqui interpretado pela sua serena voz. Mas são “Sussurro” e “Contramão” as composições mais ambiciosas deste trabalho, e provavelmente também as mais belas. Afonso Cabral é um excelente compositor em rota de ascenção, e merece um número crescente de ouvidos à sua escuta. – Tiago Mendes

15. Maria Reis – Chove na Sala, Água nos Olhos

Apesar do icónico duo ao qual Maria Reis empresta a guitarra e a voz – as eternas Pega Monstro – estar em hiato desde o lançamento de Casa De Cima, em 2017, Maria não se retirou e mantém frequente presença a solo: quer no primeiro EP que lançou nesse mesmo ano, quer nas colaborações ou concertos ao vivo regularmente mantidos. Num registo estético que pode ser delineado desde os primeiros lançamentos na Cafetra, a assinatura musical de Maria – outrora mergulhada em enevoado ruído punk, marca por aprimorar cada vez mais a (quiçá improvável) linha entre o cancioneiro tradicional português e o indie cosmopolita. Chove na Sala, Água nos Olhos é um trabalho de precisão condensado em enganadora simplicidade pop. Ladeia as expectativas mais tradicionais ao espalhar-se entre os vários estilos que marcam a obra da artista ao longo dos últimos anos, da qual resulta esta tapeçaria única, viciante e de despretensiosa honestidade.  João Rosa

14. Mayra Andrade – Manga

Há seis anos que Mayra Andrade não lançava um novo disco. Mas Manga justifica essa espera. Um retrato bonito das sonoridades de Cabo Verde – cantadas entre o português e o crioulo – sempre com a doce e quente voz de Mayra a deslizar pelas palavras. Os arranjos dos instrumentistas são exímios, na ténue fronteira entre os géneros cabo-verdianos mais tradicionais e o jazz. Mas temas como “Pull Up”, por exemplo, colocam um pé no campo da electrónica – de maneira discreta, mas o suficiente para alargar o leque de opções na construção da música de Mayra. O riff emocionalmente interpelativo de “Kodé” exemplifica a profundidade que os motivos mais simples, no mundo da música, são capazes de invocar; mas é “Vapor di Imigrason” o mais bonito de todo o álbum. O difícil em Manga é ficarmos quietos – a música de Mayra Andrade exige reacção, quer-se dançada e sentida com carinho – embalo de uma terra que, embora não próxima geograficamente, mora num canto do nosso coração. – Tiago Mendes

13. Dino d’Santiago – Sotavento

O sonho de Dino d’Santiago continua a dar cartas para o artista e para quem o ouve, sem qualquer intenção de abrandar. Antes de acabar aquele que foi um dos melhores anos da sua carreira, presenteou-nos com um curto EP que se estende muito para além dos 15 minutos que o compõem, pela mão de temas como “BRAVA (Carta Pa Tareza)” ou a terna canção de amor “ILHÉUS (Nu Bai)”. A sua música adquire uma nova roupagem, mais electrónica e pronta para as pistas de dança, mas a emoção e sentimento que a caracterizam não perdem nenhuma da sua força. Em crioulo ou português, Dino mostra que é um intérprete exímio e um orgulhoso embaixador desta Nova Lisboa. E, seja para que lado soprar o vento, a sua música continuará a triunfar. – Miguel de Almeida Santos

12. Co$tanza – Linha Verde

Linha Verde, de Co$tanza, prima pela surpresa e mistério desde o seu lançamento – começando pelo alias escolhido por Miguel Costa e passando pela tracklist consistindo inteiramente de estações da linha verde do Metropolitano de Lisboa. A maior prenda acaba por ser a sua sonoridade saída de um cruzamento entre composições MIDI e o Plantasia de Mort Garson, tendo um dos seus mais notórios paralelos contemporâneos nas bandas sonoras de videojogos, como Stardew Valley ou Undertale. A consistência de Linha Verde é notória na forma como transporta a sua temática pela rede citadina, mantendo cada faixa em perfeita união, sem nunca cair em repetição. Destaque para o que o álbum faz de melhor no despertar em Telheiras, a magnífica passagem pelo par Roma-Areeiro ou o apoteótico final no Cais do Sodré. Uma das audições mais aconchegantes do ano, que apenas peca por ser mais curta que uma travessia da verdadeira linha verde.  João Rosa

11. Sallim – A Ver o que Acontece

Sallim já tinha sido uma das mais súbitas e interessantes revelações da Cafetra Records ao editar Isula em 2016 – um conjunto de canções atmosféricas e introvertidas que viram Francisca Salema submersa em distante reverb; saboreando cada palavra suspensa sem pressa de chegar ao final e intimista ao ponto de nos transportar para um qualquer recanto singular do seu quarto. A Ver O Que Acontece não poderia ser mais diferente: com produção irrepreensível, instrumentação variada e voz enérgica e limpa, o lo-fi transforma-se em pop desavergonhado e extrovertido, cumprindo no entanto a proeza de não perder a personalidade única que caracterizou o seu álbum de estreia. Navegando equidistante entre um improvável triângulo de Kacey Musgraves, The Ronettes e covers YouTube de Ariana Grande, Sallim pode ter saído do quarto, mas ainda a ouvimos a abraçar as suas músicas – e é esse o ingrediente indescritível que pinta a sua estética. – João Rosa

10. Branko – Nosso

Ainda antes de sair, Nosso já tinha feito história. O projecto foi dos poucos álbuns portugueses – quiçá o único – com direito a estreia de single na revista Rolling Stone, um testemunho da relevância e alcance da música de João Barbosa. O artista mais conhecido como Branko apresenta neste álbum um conjunto de temas variados que bebem de géneros como zouk bass, afro house ou tarraxo, e que pintam sonicamente um resumo caloroso da evolução do músico da Enchufada. Uma referência na música portuguesa, Branko mostra em Nosso um álbum recatado, que pede timidamente licença para nos atirar para a pista de dança. Mas em momentos como “Tudo Certo” ou “Hear from You”, perde a vergonha e mostra uma ginga incontornável. Há espaço para a experimentação como na homenageante “Bleza” ou em “MPTS (Chords Version)” – sendo que nesta última partilha a mesa de produção com o “discípulo” PEDRO – mas as músicas nunca perdem a sonoridade de fazer bater o pé e abanar a anca. É o trabalho calculado de um artista no seu auge, e a prova de que por vezes para ouvir o que está a bater lá fora não precisamos de procurar além do conforto da nossa pátria. – Miguel de Almeida Santos

9. Stereossauro – Bairro da Ponte

O sampling sempre esteve ligado à essência do hip hop, mas, em Bairro da Ponte, Stereossauro decide levá-lo um passo mais longe e adaptá-lo à realidade da música portuguesa, unindo a tradição com um género musical que cada vez mais se afirma como um marco na nossa sonoridade. Partindo de masters originais de Carlos Paredes e Amália Rodrigues, o produtor das Caldas da Rainha constrói um disco que é tanto uma ode, como um ponto de partida. O rol de convidados é extenso e composto por nome tão distantes como Camané e Plutónio, Slow J e Rui Reininho, e grandes nome do fado como Carlos do Carmo ou Ana Moura. E apesar de a capa já nos dizer muito, é a música que fala mais alto, e temas como “Ingrato”, a impetuosa “Nunca Pares”, a “perigosamente” sedutora “Flor de Maracujá” ou “Cacilheiro” (que se alia tanto à guitarra eléctrica, como à portuguesa) fazem deste trabalho um caldeirão fumegante de genialidade e fusão. – Miguel de Almeida Santos

8. Chico da Tina – Minho Trapstar

É difícil compreender se Chico da Tina é para ser levado a sério ou a brincar; o skater nortenho, que fala de romarias e saúda o pessoal desde o continente às ilhas, ganha o seu nome pelo instrumento que o acompanha, a concertina. Vocalmente, não tendo nem a mais habitual tonalidade nem a mais estelar articulação vocal, contrasta com o atual panorama nacional de trap pelos temas jocosos e levianos que opta por abordar de maneira séria (“Romarias”, “Apresentação Interactiva”), mas é pelos beats e melodias que nele se destaca. Para isso, teve um papel fulcral o último dos seus três lançamentos deste ano, Minho Trapstar. Os ad libs adicionados posteriormente, reproduzindo muito a estética dos actuais grandes nomes do trap norte-americanos, contribuem como complementação harmoniosa da produção celebrável de Co$tanza ou Bejaflor (“Freicken”, “Minho Trapstar”). Tal como o próprio o afirma em “Sou Rei”, “Eu não escondo eu sou filho das minhas influências / Quim Barreiros, Yung Lean, Cachadinha, Halloween“; é refrescante ouvir uma voz no hip hop que não se leva a sério despropositadamente e que intercala os estilos que acompanharam o seu crescimento, suscitando curiosidade a uma audiência diversa. – Sara Miguel Dias

7. David Bruno – Miramar Confidencial

David Bruno é um artista que carrega consigo toda a tradição e honra de uma nação. Para além de compositor e produtor, é um dos melhores contadores de histórias com que o Norte pode contar. Depois de Mafamude, David Bruno resolve passar para o litoral de Gaia e contar a história de Miramar, a “Miami do Porto”. Juntamente com Marco Duarte, o seu parceiro musical por estas andanças a solo, imortaliza as aventuras e desaventuras de Adriano Malheiro, construtor civil de profissão oficial, caloteiro de profissão real. Mesmo não tendo conseguido qualquer comentário do próprio, David Bruno considera que na maior parte dos casos a ficção é mais interessante do que a realidade. Fazemo-nos, assim, à estrada com o Caloteiro, por entre referências cinematográficas, samples, vivências de David Bruno, ironia e crítica. Samuel Úria, Fernando Alvim, Mike El Nite, Alferes Malheiro (MrDolly) e Este Senhor (Carlos Afonso) são os convidados em Miramar Confidencial. Este é mais um trabalho que pode ser usado como registo histórico e social, sempre acompanhado de um fabuloso trabalho instrumental e visual. Quem quiser juntar-se à criação deste universo, é sempre bem-vindo por David Bruno; quem não quiser, “esquece”. – Sofia Matos Silva

6. Manel Cruz – Vida Nova

Depois dos Ornatos, Pluto, Supernada e do projecto Foge Foge Bandido, Manel Cruz lançou o seu primeiro álbum em nome próprio. Vida Nova é um recomeço, um reconhecimento de uma batalha que travou consigo mesmo, um quase-diário de um processo em que teve de decidir que caminho seguir. Com o apoio de um ukelele e dos companheiros de viagem de quase sempre, Vida Nova assenta numa simplicidade melódica e numa simplicidade lírica, e na forma como as duas se intrincam. Manel Cruz, que se reinventa e que se vai reinventando, consolida-se como um dos maiores cantautores da música portuguesa. – Linda Formiga

5. Sensible Soccers – Aurora

Um álbum sem comparação em Portugal, Aurora cruza paisagens electrónicas com melodias orelhudas sugestivas de um nostálgico passado português. Não que os Sensible Soccers não tivessem já feito isto antes, mas nunca antes com tanta ginga e atitude; vejam-se o testemunho funk “Chavitas” e o delicioso synthpop de “Telas na Areia”. “Luziamar” leva-nos para o interior da defunta discoteca de Viana do Castelo mas – e isto é o mais interessante de Aurora – da forma que os elementos da banda a imagina ter sido. A nossa perspectiva dos anos 70, 80 e 90 é bem diferente daquilo que os mesmos realmente foram, por isso, em vez da pastiche que caracteriza muita da música actual, os Sensible Soccers fazem música futurista com a nostalgia desse tempo. Talvez não haja exemplo mais belo da música da banda que “Como Quem Pinta”, a porta de entrada do álbum, que impressiona com as suas pinceladas de sintetizadores. – Bernardo Crastes

4. Luís Severo – O Sol Voltou

Entre os vários lançamentos como Cão da Morte, Flamingos e até em nome próprio, não podemos dizer que Luís Severo esteja susceptível à eterna maldição do segundo álbum. No entanto, após o sucesso inegável do seu homónimo longa-duração – repleto de composições que não saem dos ouvidos, letras aguçadas e salas esgotadas pelo país fora – notória era a curiosidade em perceber a que novas rotas sonoras levaria esse momento cimeiro. Afastando-se da carta de amor citadina que marca o seu trabalho anterior, produz solitário num registo menos pop, mais melancólico e mais próximo das raízes do cancioneiro tradicional português, revelando a criatividade de uma reinvenção ao invés de insistir na mesma fórmula. – João Rosa

3. Lena d’Água – Desalmadamente

Muitos anos passaram desde que Lena d’Água nos entregou algo em nome próprio; numa primeira reinsurgência, em 2013, cedeu a sua voz em As Viúvas Não Temem a Morte, dos Ciclo Preparatório, mas foi no passado 2018 que se tornou novamente assídua presença nos palcos nacionais, com a tour que fez com Manuel Lourenço e a banda Xita. Uma nova experiência, uma confiança e inspiração por uma geração que lhe é mais nova, culminaram no lançamento de Desalmadamente, um cancioneiro que tem tanto de contemporâneo, como de maduro. “Grande Festa”, precisamente pela maneira como o título o expressa, constituiu um primeiro single representativo de uma das facetas do LP; sendo a outra, através de “Bem Que Vos Avisei” ou o tema que dá nome ao álbum, uma tranquila navegação pelo que ficou por dizer há três décadas atrás. Em Desalmadamente, Lena revela não ter medo da inovação e a sua entrega a alguns dos melhores cantautores actuais, como Benjamin ou Francisca Cortesão, resultou num consistente mix de produção, instrumentalização e letras capaz de levar uns a redescobrir esta constante do pop rock do fim do século XX e outros a encontrar uma nova artista para introduzir no seu quotidiano. – Sara Miguel Dias

2. Capitão Fausto – A Invenção do Dia Claro

Os Capitão Fausto puseram o pé nas décadas de 60 e 80 no álbum Capitão Fausto Têm os Dias Contados, indo contra aquilo que já haviam feito antes. Para este quarto álbum, em vez de voltarem a mudar a paleta sónica, simplesmente aprimoram a fórmula. Em 28 minutos, Tomás Wallenstein e companhia destilam as melodias mais orelhudas que encontraram, adicionando-lhes nuances orquestrais e influências do processo de gravação no Brasil, como as teclas à bossa nova da música mais doce e jubilosa do ano, “Lentamente”. “Amor, a Nossa Vida” e “Final” são baladas arrebatadoras e “Boa Memória” encontra o conforto na amizade. As letras são directas, com uma simplicidade que reflecte o crescimento da banda, demonstrando que sabem perfeitamente o que querem transmitir a quem os ouve. A maturidade fica-lhes bem e tornou-os em porta-estandartes da música contemporânea nacional. – Bernardo Crastes

1. Slow J – You Are Forgiven

O puto lento foi subindo devagarinho, e devagarinho chegou ao topo. You Are Forgiven caiu do nada e do nada se tornou tudo – ou, pelo menos, tudo o que queremos ouvir. O Slow nunca teve papas na língua, nem receio de incomodar ou afetar, mas, neste disco, perdeu todos os filtros. Derrubou os muros que ainda erguia, abriu a porta e disse-nos “entra”. Deu-nos a chave para a sua alma e o código para a sua mente. Uma tendência que se verificou em 2019 foi a quantidade de músicos que parece ter decidido deixar-se de tretas e apresentar-se ao mundo pelo que é, sem maquilhagem ou romancismos. A vida é o que é, somos todos humanos e trazemos connosco a bagagem que isso implica. O Johnny boy foi dos últimos a entrar nessa corrida – o disco saiu em setembro –, mas fê-lo como ninguém. Pegou no que de melhor e pior a vida lhe tem dado e transformou-o em algo muito maior do que todos nós. Arrancou a pele, os músculos, os ossos, as entranhas, até se tornar apenas na substância de que este disco é feito. A matéria incorpórea de que os sonhos são feitos, mas também os pesadelos, e tudo o que está entre uns e outros. E deu-nos tudo isto, sem nunca pedir nada em troca. You Are Forgiven é tanto dele como nosso; dele porque o criou, nosso porque o recriamos todos os dias, de cada vez que o ouvimos e de cada vez que dele retiramos algo mais. Depois de The Free Food Tape e The Art of Slowing Down, Slow J marca de vez a sua posição como um dos artistas mais importantes do momento. Por entre culpa e gratidão, dor e felicidade, raiva e paz, promete que o puto lento agora não abranda. Um futuro brilhante parece estender-se à frente de Slow J. Mas, mesmo que não seja assim, já é nosso eternamente. – Sofia Matos Silva

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