Os 98 anos de Sophia de Mello Breyner Andresen
Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu a 6 de Novembro de 1919 na cidade do Porto. De raízes dinamarquesas, tendo o seu avô, Jan Andresen, visitado a cidade do Porto e não mais ter abandonado a cidade, o pai de Sophia, João Henrique, havera comprado, em 1895, a Quinta do Campo Alegre, que é hoje o belíssimo Jardim Botânico do Porto e eterna fonte de inspiração da obra da poetisa. Descendente também de uma família de aristocratas, a sua mãe, Maria Amélia de Mello Breyner, era filha de Tomás de Mello Breyner, conde de Mafra, e neta do conde Henrique de Burnay, um dos homens mais ricos do seu tempo.
Sophia seria, então, criada na velha aristocracia portuguesa, e educada segundo os valores tradicionais da moral cristã. Frequentou Filologia Clássica na Universidade de Lisboa, contudo, nunca viria a concluir os seus estudos. Todavia, foi durante esse período na Universidade de Lisboa que colaborou na revista “Cadernos de Poesia” e onde faria amizades com autores, como Jorge de Sena. Em 1944, Sophia inicia o seu caminho na Literatura com um livro cujo título lhe faz a mais plena justiça na plenitude da graça dos seus versos e na pureza da escrita, «Poesia».
«Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem»
A poesia de Sophia é, ela mesma, em sua plena essência. Certo dia, numa tertúlia sobre poesia pelas ruas da cidade do Porto ouvi «cristalina» como definição da poesia de Sophia de tão honesta e pura que nos se apresenta. As influências da sua escrita passam pela sua infância, onde a poetisa sublinha a importância das casas, e é esta lembrança que remanesce na sua obra, ao descrever as casas e os objetos dos quais de recorda dos tempos da infância. Sophia referiu que se apoiava na sua memória visual para se recordar de cada divisão, de cada móvel, das casas que haveram desaparecido da sua vida, e assim voltar a torna-las presentes, não deixando essas mesmas memórias à deriva nos seus pensamentos, dando-lhes um rumo nos seus versos.
Na sua poesia, está também presente uma referência à criação da obra durante a noite, sendo que a poetisa referia que necessitava da «concentração especial que se vai criando durante a noite». Sophia defendia também palavras proferidas por Pessoa de que o poema ‘acontece’, «Fernando Pessoa dizia: «Aconteceu-me um poema». A minha maneira de escrever fundamental é muito próxima deste «acontecer». Despertando para a poesia muito jovem, quando uma criada de seu nome Laura, lhe ensinou a «Nau Catrineta», Sophia acreditava que a poesia era algo que existia no ar, como um elemento natural, e que não era escrita por ninguém, estava apenas suspensa, à espera de quem se dispusesse a ouvi-la.
«Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens…
Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma»
O mar é também uma monumental presença na obra de Sophia, a voz nobre da poesia do século XX, que tal como o seu eterno mar, é também ela uma imensidão de beleza e inspiração, para além do horizonte. A cada orla há um poema de Sophia, tal como esta o havera imaginado ainda jovem: inato, como um elemento natural. A cada brisa de maresia, ali está um poema de Sophia. É ali, junto do mar que, ébrios de beleza dos corais, búzios e algas e envoltos na maresia somos essência com Sophia e ouvimos a sua poesia no rebentar de cada onda.
«Quando morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar.»
Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu no dia 2 de Julho de 2004, em Lisboa.
Curta-metragem ‘Sophia de Mello Breyner Andresen‘ – João César Monteiro, de 1969