Os ‘Donos de Portugal’: as (in)dependências do país

por Lucas Brandão,    13 Dezembro, 2017
Os ‘Donos de Portugal’: as (in)dependências do país
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“Donos de Portugal” é uma adaptação cinematográfica, feita em forma de documentário (com pouco mais do que 40 minutos), do livro homónimo, que juntou figuras, como Francisco Louçã, Fernando Rosas, Luís Fazenda, e o realizador do trabalho documental, Jorge Costa. Por mais que a equipa denuncie partidarismo político, não deixa de se tratar de uma análise isenta, imparcial, consciente e sustentada. O objetivo? Descortinar e desvendar os rostos e os rumos assumidos pelas figuras mais proeminentes da construção empresarial, pública e privada, da história do país. Porém, e mais do que as árduas conquistas, descodificam-se fórmulas de monopólios económicos, que não se proporcionam com raridade nas andanças políticas. Sem poder e riqueza, não se faz discussão da sociopolítica contemporânea, pelo que, e conforme a Justiça vem denunciando, estes trajetos não deixam de se tornar determinantes para se entender a estruturação histórica do país nos últimos tempos.

Tudo isto não é de hoje. Toda a teia de dependências económicas e financeiras foi-se cultivando com a complacência e o beneplácito dos órgãos políticos do Estado Novo. Os grandes empreendedores, os emergentes oligarcas, que se chegavam à frente na putativa valorização do país, a partir da monopolização deste ou daquele setor. Não obstante, surgiam, do alto das suas linhagens, e cruzando aristocracia com estrangeirados, como referências a serem apoiadas e capitalizadas, não só dentro de portas, mas também nas próprias colónias. Ainda hoje se sentem essas repercussões, para além das sementes por lá estarem plantadas e regadas, nutridas o suficiente para que a família que pegou de estaca em Angola até recentemente tenha preenchido várias manchetes nacionais e internacionais. Como aqui, pelas melhores e piores razões.

Do Estado Novo, de um império construído com a anuência das figuras representativas deste regime, foram subsistindo essas mesmas famílias, que nunca perderam o rasto àquilo que eram as suas possessões, as suas mais-valias, num património que nunca deixou de se perder pelos números e pelas ambições de incrementar estes. Com a recuperação da República, para além da sedimentação da democracia, não se pôde, porém, descurar o papel destes agentes, que, desde cedo, se viam como detentores de uma quota-parte dos destinos económicos de Portugal, para além de serem a base na qual assentava toda a sua solvência. Para além de terras lusas, outras pátrias sentiam a influência do capital, que circulava e começava a deter um papel de envolvência de outros países, cruciais no reatar de relações diplomáticas na própria dinâmica comercial. As monopolizações quiseram fazer-se sentir para lá do cantão do sudoeste europeu, por muito que plantassem os resquícios das suas heranças nas ex-colónias e nas descendências.

Todavia, por mais que se possa condenar o papel da ditadura salazarista neste patriarcado económico, os Governos Constitucionais seguiram o sabor dos ventos de preponderância do poder advindo das grandes famílias e dos empresários recém-chegados, que arrecadavam as privatizações daquelas que eram instituições que tinham sido recuperadas, com afinco, do jugo dessas figuras unidirecionais. Imiscuídas nas instâncias governamentais, estavam futuros agentes de intervenção e de participação nessas empresas, que recuperavam o rumo privado, agindo e reagindo a seu bel-prazer, investindo aqui e ali, dentro e fora de portas. O doce sabor capitalista caminhou sempre com o destino do lucro, da construção de uma tessitura de participantes e de protagonistas, capazes de potenciar, mais do que o orgulho nacional, o orgulho empresarial, o orgulho pela feitoria do capital.

Claro que, inerente a isto, a imprensa foi revelando detalhes preciosos, assim como a própria justiça, por mais débil que seja. Também esta não está livre de ser instrumentalizada, jogada como um ônus para o suposto benfazejo dos grandes empresários, daqueles que potenciaram e maximizaram a miríade de recursos nacionais, mas descartando o bem comum. Portugal não foi, não é, nem nunca será uma marca. O papel de várias pastas ministeriais não conseguiram seguir fiéis a este princípio, alinhando, de mãos dadas, com os designados “Donos Disto Tudo” (DDTs). As próprias fortunas são inestimáveis, escalando aos montantes capazes de cobrir uma série de lacunas sistémicas, tanto políticas como económicas. É importante salvaguardar os interesses daqueles de quem estamos dependentes. A primeira pessoa do plural é usada por essa salvaguarda ter sido efetivada, até hoje, por aqueles que nos representam. São dados que, por mais revoltantes que sejam, se proporcionam.

As privatizações, desbaratadas e dispostas a consubstanciar um setor privado de interesses e promiscuidades emaranhadas, denunciam, nos tribunais, as maiores peripécias, exibindo aquilo que se faz, muitas vezes, com montantes que saltam do bolso daqueles que se perdem na perceção da sua realidade. Muito disto que tem sido discutido até então pode soar a chinês a muitos, ou até a um portunhol meio esfarrapado, mas que transmite as desavenças nas quais todos estão envolvidos, de forma mais ou menos direta. É o tecido empresarial que é, muitas das vezes, apoiado, tanto por aqueles que estão, como por aqueles que saem dos seus postos governamentais, assumindo importantes postos de direção, assessoria ou consultadoria de instituições importantes do contexto industrial nacional. As mesmas das quais o Estado se vê dependente, com uma herança que nunca soube gerir, com uma linhagem que nunca soube problematizar e levar a cabo, numa discussão de desconstrução, onde não é o dinheiro aquele que mais ordena.

Enquanto as empresas se veem catapultadas, algo tem de cobrir esses suportes. Virá das receitas que essas mesmas arrecadam? A taxação da riqueza é equitativa e justa? Será uma eterna questão, que se perpetua desde há muito até aos dias de hoje. Quem sai, afinal de contas, valorizado e enrobustecido no meio de todas estas contingências? Quem tem tudo, e vai fintando adversidade após adversidade, de jeito tardiamente apercebido; ou aquele que se vê tacitamente coagido para agir conforme os seus credores económicos e morais, e que receia o finca-pé aos paladinos do empreendedorismo?

De repente, os escândalos rebentam. As investigações urdem os esquemas mais escabrosos imaginados. Desde bancos a multinacionais, passando por gasolineiras ou telecomunicações. Os impérios, com a velocidade que se levitam, também se desmoronam. A transparência é ideal esquecido, que não se socorre nem reivindica o suor nem as normativas primárias do valor do trabalho. Não obstante, enquanto se descobrem as verdades, as oligarquias do capital, das quais o Estado se vê presa e subserviente, remanescem, como as grandes instituições que apresentam o lastro, no qual os sucessivos governos se foram desdobrando da pior forma. O resultado está à vista.

Com políticas mais ou menos de esquerda ou de direita, os quadrantes não importam. A nebulosidade que a inteligibilidade da imprensa e das mais altas pronunciações destes órgãos de pendor lucrativo produz sentencia a discussão. As soluções necessitam de uma consciência coletiva presente e devidamente representativa, para lá dos seletivos e maleáveis sindicatos. De todos, para todos. Porque a riqueza não deve ser de poucos, assim como a política. A distância que o desconhecimento aprofunda não é, nem nunca será solução. Mesmo que os males já estejam plantados há mais tempo do que o esperado, nunca é tempo perdido despertar para aquilo que é a realidade sociopolítica, muito para além das campanhas eleitorais, dos afetos e das promessas ad hoc. No final, levamos tudo menos o dinheiro, como comprovam as partidas recentes desses cometas de empreitadas esforçadas e expoentes. O que fica é a honra e a dignidade, as tais que se desvanecem no confronto com a verdade.

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